quinta-feira, 11 de julho de 2013

O grito das ruas ecoa no teto dos palácios

                        


      Ninguém pode se fazer de rogado diante dos protestos que explodiram contra a classe política como nunca acontecera no Brasil. Até nos municípios menores, onde o povo não se sente livre para sair às ruas, o sentimento de repulsa existe. A classe política daqui e de todo lugar tem os mesmos vícios das capitais e das maiores cidades do país.  A diferença é que a sociedade de uma cidade menor se sente constrangida, por impedimento que a coação impõe.

         Isto, na verdade, é mais um motivo do descontentamento com a classe política. Aqui, como no Congresso Nacional,  os vencimentos dos políticos são incompatíveis com a baixa renda da população. Profissionais da educação, da saúde, funcionários burocráticos são muito mal remunerados no serviço público, enquanto os titulares do poder têm vencimentos muito acima dos seus méritos e diferenciados por privilégios de quem legisla em causa própria.  A carga horária de um professor exige muito de sua dedicação, de seu trabalho físico e intelectual, para receber tão pouco.  Alguns estão na faixa de um salário mínimo e meio. E ainda ficam sujeitos a transferências constrangedoras e desconfortáveis, se, por qualquer motivo, se manifestarem em desacordo com os mandatários.

         Enquanto isto, os vereadores trabalham duas horas por semana, oito por mês, recebem vencimentos que nunca receberiam em salário se vivessem de empregos da iniciativa privada que a cidade oferece. E gozam de mordomias, assessorias, diárias e passagens para viagens nem sempre justificáveis.  E a Câmara dá pouca ou nenhuma transparência dos seus gastos, da sua folha de pagamento.  Alguns, raros, ainda mostram serviço. Outros simplesmente passam o tempo.  Os que mostram serviço, apresentam projetos de interesse público, de maior alcance social, com qualidade e quantidade que justificam o seu trabalho.  Os outros mal apresentam alguma proposta de nome de rua, votos de pesar, e acompanham a maioria nos projetos em discussão, nem sempre analisando a profundidade ou justificativas desses projetos. Quase sempre na base de ser “a favor” ou “contra”.   O discernimento para tomada de posição, quase sempre é uma exceção.

         O procedimento dos executivos segue os mesmos exemplos que têm provocado a revolta popular revelada nas manifestações de rua nos grandes centros.  Falta transparência nos gastos com folha de pagamento, com obras, com compra de material, com nomeações, com licitações, com festas.  Há muita mistura de ações públicas com negócio privado.  Políticos que são empresários geralmente formam grupos, sociedades, usam a terceirização de trabalhos que podem e devem ser executados pela administração oficial, e transferem para a responsabilidade de um empresa particular, onde o lucro encarece a obra e o contribuinte tem de pagar elevados impostos para arcar com a diferença desnecessária e que enriquece uns e outros dos grupos, das sociedades de conveniência.

         O povo sabe, percebe todas essas jogadas.  Mas elas são feitas de maneira a não deixar provas.  E ninguém se dispõe a tomar qualquer iniciativa, porque se sente isolado e com risco de perder emprego e até sofrer danos na sua integridade física.

         Quando o grito de revolta retumba nas ruas, eles penetram pelas janelas dos palácios e tocam os ouvidos dos  destinatários.   Esses fazem ouvidos moucos, enquanto sabem que todo mundo sabe, mas não tem prova. E sabem também que, se houver um processo por improbidade administrativa, a justiça é lenta, lerda e ineficaz.  Sabem que podem contar com a vantagem dos recursos, da tramitação de instância em instância, da presunção de inocência até o “trânsito em julgado” que, se for concluído, já houve tempo para o cumprimento de um mandato.  Sabem também que podem contar com testemunhas manipuladas por dependência ou por interesses mútuos, que transformam culpados em vítimas e tornam inócuos tantos processos.

         Dessas espertezas, resulta que temos Renan Calheiros, José Sarney, Paulo Maluf, Fernando Collor, a turma do Mensalão, dos mensalinhos, todos em atividade desde os bastidores das câmaras e prefeituras dos menores municípios até o fausto do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto.  É um gigantesco espetáculo de cinismo que vem afrontando a inteligência de todas as pessoas que pensam.

         São esses atores que fazem as leis maiores e menores.  Fazem do seu jeito, à sua imagem e semelhança. O povo, de certa maneira impotente, vem acumulando as dores de viver com menos da quarta parte do necessário, para dar todo o seu tempo, toda a sua vida útil ao trabalho e ter de sustentar a máquina vil dos poderes constituídos.  Faz a única coisa que pode: protestar.  Dar o grito de indignação.  Abalar os alicerces podres da corrupção. E expressar o óbvio: a classe política chegou ao ponto do descrédito e de repúdio que alcançou a classe militar no período da Ditadura.

         Lamenta-se que as raríssimas exceções dos membros dessa classe sejam injustiçadas.  Mas não há como entrar no chiqueiro e sair sem respingo de lama. Os partidos nada mais significam. E refletem a imagem dos seus componentes. Os poderes estão se sustentando mais pelo direito da força do que pela força do direito.  A democracia dominada pela plutocracia está desmoralizada, em ano de véspera de eleições.

         O povo agora tomou consciência.  Tudo precisa mudar. Tudo tem que mudar.  Como?  Ninguém sabe. Não há tempo hábil para valer nas próximas eleições. 

         Os rumores das ruas às vezes soam em silêncio.  Nem em todo lugar se pode fazer barulho.  Só o sentimento de indignação é incontido. O clamor costuma ficar preso na garganta.  Mas o que o povo quer, não há ninguém no poder que possa fazer, porque o espírito de corpo existente é o autor deste colapso de valores. 

         Como disse o senador Cristóvam Buarque, é preciso mudar o modelo dos partidos, o modelo das instituições, o modelo do Congresso, o modelo de tudo.  Mas quem vai mudar.  E que modelo seria o ideal? 

         Ainda bem que os municípios estão em início de mandatos e servem como  válvula de escape para a  indispensável estabilidade de algum e espaço político-administrativo.  Pode ser que neles esteja a oportunidade de um amplo debate social para o estudo de soluções, nem que sejam provisórias, nem que sejam experimentais. O debate há de ser uma ampla reflexão coletiva para despertar no povo, na juventude que brota, uma expectativa, uma esperança de transformação digna, fora da repetição da ditadura que venha em nome de salvar a pátria. 


(Franklin Netto – viscondedoriobrancominasgerais@gmail.com)

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