sexta-feira, 31 de maio de 2013

José Luiz Lopes Gomes(De Viçosa-MG) - Brizola chora ao perder a sigla PTB e Drummond escreve "Eu vi"




Depois do Encontro de Lisboa, recém chegado de 15 anos no exílio, Brizola começou imediatamente a "refundar" o PTB, o partido criado por Vargas em 45 que reunia os trabalhadores. Mas a ditadura, com a ajuda do TSE, tira a sigla PTB de Brizola. E ele, publicamente, chora ao tomar conhecimento da decisão. Isto não o impede de continuar na luta. O seu gesto inspira o poeta Carlos Drummond de Andrade a escrever "Eu vi", poema publicado originalmente no Jornal do Brasil, que transcrevemos a seguir. (OM)

Imagem: Portal do Professor
Eu vi
Carlos Drummond de Andrade
Vi um homem chorar porque lhe negram o direito de usar três letras do alfabeto para fins políticos. Vi uma mulher beber champanha(*) porque lhe deram esse dirteito negado ao outro.

Vi um homem rasgar o papel em que estavam escritas as três letras, que ele tanto mava. Como já vi amantes rasgarem retratos de suas amadas, na impossibilidade de rasgarem as próprias amadas.

Vi homicídios que não se praticaram mas que foram autênticos homicídios: o gesto no ar, sem conseqüência, testemunhava a intenção. Vi o poder dos dedos. Mesmo sem puxar o gatilho, mesmo sem gatilho a puxar, eles consumaram a morte em pensamento.
Vi a paixão em todas as suas cores. Envolta em diferentes vestes, adornada de complementos distintos, era o mesmo núcleo desesperado, a carne viva;

E vi danças festejando a derrota do adversário, e cantos e fogos. Vi o sentido ambíguo de toda festa. Há sempre uma antifesta ao lado, que não se faz sentir, e dói para dentro.

A política, vi as impurezas da política recobrindo sua pureza teórica. Ou o contrário.. Se ela é jogo, como pode ser pura... Se ela visa o bem geral, por que se nutre de combinações e até de fraudes.
Vi os discursos...

(Publicado no Jornal do Brasil, 15/05/80 - Caderno B - Pg. 1)
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(*) N. R. O projeto de reorganizar o PTB, empreendido por Brizola ainda no exílio, preocupou a ditadura militar. Em maio de 1980,, o general Golbery do Couto e Silva, o bruxo do regime, articulando manobra no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tira a sigla das mãos de Brizola e a entrega a Yvete Vargas, uma sobrinha distante de Getúlio, recém cooptada pelos militares. Ao ser informado da decisão, Brizola, em lágrimas, rasga uma folha de papel onde estavam as letras PTB e funda o Partido Democrático Trabalhista (PDT). Ivete comemorou sua "vitória"abrindo uma garrafa de champagne. (FC)

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