terça-feira, 28 de maio de 2013

COLUNA DO PAULO TIMM(Torres-RS) - Drops maio 28


   

OS REVOLTOSOS DE ONTEM E DE HOJE

Remexo nos arquivos, procuro em vão um motivo para animar a alma , nada encontro neste dia cinzento para o “cair da pena”, expressão que tomo de empréstimo a um velho amigo bageense, Jorge Saes. Salva-me a memória rossa de outro amigo, Henrique Castro, sociólogo de muitas paragens: Neste glorioso dia, no ano de 1871, tombaram os últimos resistentes da Comuna da Paris, os communards, epílogo tardio da “Era das Revoluções”,  magistralmente analisada por E.Hobsbawn (1789-1848) e ante-sala de outra Revolução que, ao contrário, seria vitoriosa, a dos Bolcheviques, na Rússia em 1917. O clima, aliás, nos dois casos, em 1871, na França, e em 1917, na Rússia, era muito parecido, embora estruturalmente diferentes, como bem destacou Leon Trotsky, no brihante ensaio “1789 -1848-1905” :  Dois países liquidados ao cabo de uma guerra sangrenta que enfraqueceu não apenas as respectivas economias, como o próprio Estado criando situações de grande convulsão interna, precursoras de situações revolucionárias  diligente e inteligentemente aproveitadas por líderes revoltosos. A França  de Napoleão III , derrotada  e humilhada pela nascente Alemanha de Bismark, que viria lhe socorrer, abrindo o ciclo das “Internacionais Brancas”, reproduzida em 1964 pela CIA/USA no Brasil; a Rússia czarista, arrasada no final da  I Guerra Mundial.     Karl Marx  viu a Comuna de longe, desde Londres, onde viria a morrer em 1883, o que não o impediu de trazer o tema às suas reflexões. Mas ela já contemplava grande parte de suas idéias que viriam a influenciar o pensamento revolucionário a serviço das classes populares até os dias de hoje, mesmo com a derrocada da União Soviética em 1991 e da notória perda de fôlego ideológico do marxismo. Em Londres, Marx dedicava-se à consolidação da Primeira Associação Internacional dos Trabalhadores, criada em 1864 .
Passados tantos anos da Comuna de Paris, ela ainda suscita muitos debates. Afinal, ela foi um elo entre o mundo abandonado das Revoluções no mundo ocidental e a construção do Socialismo pelo Leste, no qual desponta a China como baluarte. A Alemanha, onde foi forte o impulso revolucionário, o pós I Guerra viria a criar, também, uma nova oportunidade para o assalto ao poder, que foi tentado, sem êxito, pelo grupo de Karl Liebcneck e Rosa de Luxemburgo. Na França e Inglaterra a revolução  refluiu, abrindo espaço, assim como na Alemanha,  para experiências reformistas que viriam a desembocar, junto com os países escandinavos no Pacto Social Democrata do Pós II Guerra, ora sob o fogo cerrado do neo-liberalismo.

No Brasil, há pouco foi lançado  sobre o tema um livro “140 anos da Comuna de Paris”, de autoria e organização do professor Milton Pinheiro:

Os ensaios contidos no livro repercutem uma diversidade de análises que só qualifica o debate e a pesquisa em torno do tema. O trabalho do professor Osvaldo Coggiola, discute os antecedentes e as consequências desse fenômeno histórico. O contexto histórico e o processo de luta direta são analisados pelo autor e organizador do livro, Milton Pinheiro. O pioneiro dos estudos sobre a Comuna no Brasil, Sílvio Costa, aprofunda o debate sobre os ensinamentos da Comuna. O cientista político português, João Bernardo, de forma polêmica debate o que ele considera os mitos disseminados sobre a Comuna. Mauro Iasi debate a questão do Estado, como enfim a forma encontrada por Marx, nos seus textos sobre a guerra civil em França, particularmente na questão sobre a ditadura do proletariado. David Maciel aprofunda a questão da emancipação dos trabalhadores, como um elemento real na experiência da Comuna. Luciano Martorano entra no debate sobre a Comuna sempre analisando a questão da socialização, e fazendo uma leitura sobre esse debate em Karl Korsch. No texto de Valério Arcary encontramos uma análise sobre a derrota da Comuna, as versões sobre o pensamento de Engels e as polêmicas sobre o comportamento da II Internacional. Por fim, o texto do Professor Zacarias, entra no mérito da Comuna como uma possibilidade de transição, tratando esse acontecimento como o primeiro ensaio da revolução permanente, na interpretação do autor.

 (Sofia Manzano- in Comuna de Paris , uma Reflexão Contemporânea ) http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=173735&id_secao=11#.TxqRVdCD68g.twitter

A partir da Comuna de Paris, o mundo ocidental viria  a se modificar profundamente, começando pela fisionomia das grandes  cidades, abertas à grandes avenidas pouco propensas às lutas de rua, tal como Haussman fez em Paris.  O capitalismo viria a demonstrar incrível capacidade de reorganização diante de suas crises cíclicas, ora recorrendo às guerras como mecanismo de compensação aos hiatos de mercado, ora aproveitando as próprias crises com sucessivas revoluções tecnológicas que reorganizam a industria e grupos dominantes, ora estimulando o desperdício, como bem o demonstra a obra de Kozlic , “ O Capitalismo do Desperdício”, ora através da crescente regulação com mecanismos sugeridos por Maynard Keynes, tal como fez F.D.Roosevelt no New Deal .  Viria a demonstrar, também, uma inadvertida capacidade para absorver as demandas populares por melhores condições de vida, com um tipo de Estado Providencial,  desembocando, como afirma Norberto Bobbio, no “Século dos Direitos”, paralelo ao deslocamento da luta de classes das barricadas para os tribunais, no que se denomina, crescentemente, de judicialização da Política. Com isto, expandiu-se consideravelmente  a classe média nas sociedades ocidentais do centro do sistema capitalista, desdobrando-se em processos de industrialização dependente a alguns países periféricos com escala de mercado, capacidade de articulação institucional e formulação de pactos políticos internos compatíveis, como        Brasil, México, Índia e poucos outros.

Desta forma, a Revolução foi se deslocando para o Leste, onde esta plasticidade, mercê de formas de dominação mais arcaicas, associadas à forte domínio colonial, não conseguia deslanchar. Começou pela Revolução Bolchevique, em 1917, na Rússia e daí seguiu seu “destino manifesto” em direção ao Levante, tendo na Grande Marcha de Mao Tse Tung um de seus maiores momentos e que hoje se expressa pela presença de China  como segunda grande potência mundial. Cuba, em 1959, declarando-se socialista em 1961, é apenas um contraponto deste processo. Em cada uma delas, porém, mesmo sob a mesma inspiração do marxismo, este ganhava novos contornos. Ao final dos anos 70 Issac Deutscher já chamava a atenção para vários “marxismos”, processo que só acentuou nos anos posteriores. Hoje se pode dizer que há marxismos para cada gosto, desde proto-marxistas à meta-marxistas, sendo os ex-marxistas os mais abundantes. A pureza dos clássicos, mesmo cultivada na Era do Marxismo Soviético em Partidos Comunistas- mas até hoje em Partidos com este e outros nomes afins - com ênfase na Revolução como advento de uma nova Era da Humanidade, foi se tornando, cada vez mais numa retórica biblicamente conservada mas pouco praticada. Já nos idos de 1935, logo da tentativa frustrada de tomada do Poder no Brasil pelo Partido Comunista, o próprio Stalin, instado a se manifestar sobre o evento, pela sua visível vinculação com a III Internacional sob seu comando, apressou-se em dizer que a União Soviética nada tinha a ver com o intento, classificando-o de “cômico, tragicômico”...  E mesmo um marxista reverenciado como o esloveno S.Zizek admite que já não podemos afirmar com serenidade que o socialismo é uma “etapa”posterior ao capitalismo...

Paradoxalmente, enquanto assinalamos o remoto aniversário da Comuna de Paris e assistimos nela um momento de máxime no impulso revolucionário das grandes massas no mundo moderno, verificamos, também, o desânimo revolucionário dos tempos atuais. Apesar de tudo, lá ocorreu uma poderosa inflexão, pelo menos no Ocidente. A idéia mesmo de Revolução, tão cara, ou apropriada,  a um Filósofo conservador como E. Kant no Sec. XVIII  saiu de moda. Nem sequer se fala na sua necessidade, muito menos na sua oportunidade. Terá sido este um passo civilizatório, inevitável, que deixa nos seus rastros apenas a loucura de terroristas fanáticos, imantados pelo fundamentalismo, ou uma docilização inaceitável, como propõe Domenico Losurdo, marxista italiano. A verdade é que diante da grave crise que abala o sistema capitalista ocidental desde 2008, guardando na sua bagagem de destruições um incrível desmoronamento da imagem de prosperidade da sociedade americana, hoje com quase 40 milhões de pobres, além de 26 milhões de desempregados na Europa, com a virtual desagregação de países inteiros como  Islândia, Grécia, Portugal e virtualmente Espanha e Itália, ninguém mais fala em Revolução, nem mesmo Insurgência. Na verdade, a grande demanda social cedeu lugar, desde 1968 , no meio francês, às demandas por liberdade. Liberdade de costumes, liberdade de movimentos, liberdade de pensamento, “Liberdade, Liberdade, abre as asas sobre nós”. Nem mesmo os intelectuais críticos apontam um caminho Político para a reorganização sócio-econômica de um capitalismo selvagem de natureza predatória e parasitária.. Salvo os governantes, imantados pelos interesses financeiros articulados à falsa Ideologia de Mercados, há unanimidade na crítica e absoluto silêncio quanto às saídas. Por quê...? Ou os fundamentos que impulsionaram a Comuna de Paris já não operam  ou devem ser substituídos por alguma outra Visão do Paraíso que nos ilumine...Como diria E. Hobsbawn vivo fosse  e que destacou a grande diferença entre o final dos séculos XIX e XX: - “Há cem anos, éramos todos otimistas...”

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