quarta-feira, 24 de abril de 2013

Maria Auxiliadora Ribeiro Gomes(Viçosa-MG) - Orquídeas



Orquídeas







*PRODUÇÃO DE SENTIDO

Frei Betto *



     Muitos pais se queixam do desinteresse dos filhos por causas
altruístas, solidárias, sustentáveis. Guardam a impressão de que parcela
considerável da juventude busca apenas riqueza, beleza e poder. Já não se
espelha em líderes voltados às causas sociais, ao ideal de um mundo melhor,
como Gandhi, Luther King, Che Guevara e Mandela.


     O que falta à nova geração? Faltam instituições produtoras de sentido.
Há que imprimir sentido à vida. Minha geração, a que fez 20 anos de idade
na década de 1960, tinha como produtores de sentido Igrejas, movimentos
sociais e organizações políticas.


     A Igreja Católica, renovada pelo Concílio Vaticano II, suscitava
militantes, imbuídos de fé e idealismo, por meio da Ação Católica e da
Pastoral de Juventude. Queríamos ser homens e mulheres novos. E criar uma
nova sociedade, fundada na ética pessoal e na justiça social.


     Os movimentos sociais, como a alfabetização pelo método Paulo Freire,
nos desacomodavam, impeliam-nos ao encontro das camadas mais pobres da
população, educavam a nossa sensibilidade para a dor alheia causada por
estruturas injustas.


     As organizações políticas, quase todas clandestinas sob a ditadura,
incutiam-nos consciência crítica, e certo espírito heroico que nos destemia
frente aos riscos de combater o regime militar e a ingerência do
imperialismo usamericano na América Latina.


     Quais são, hoje, as instituições produtoras de sentido? Onde adquirir
uma visão de mundo que destoe dessa mundividência neoliberal centrada no
monoteísmo do mercado? Por que a arte é encarada como mera mercadoria, seja
na produção ou no consumo, e não como criação capaz de suscitar em nossa
subjetividade valores éticos, perspectiva crítica e apetite estético?


     As novas tecnologias de comunicação provocam a explosão de redes
sociais que, de fato, são virtuais. E esgarçam as redes verdadeiramente
sociais, como sindicatos, grêmios, associações, grupos políticos, que
aproximavam as pessoas fisicamente, incutiam cumplicidade e as congregavam
em diferentes modalidades de militância.


     Agora, a troca de informações e opiniões supera o intercâmbio de
formação e as propostas de mobilização. Os megarrelatos estão em crise, e
há pouco interesse pelas fontes de pensamento crítico, como o marxismo e a
teologia da libertação.


     No entanto, como se dizia outrora, nunca as condições objetivas foram
tão favoráveis para operar mudanças estruturais. O capitalismo está em
crise, a desigualdade social no mundo é alarmante, os povos árabes se
rebelam, a Europa se defronta com 25 milhões de desempregados, enquanto na
América Latina cresce o número de governos progressistas, emancipados das
garras do Tio Sam e suficientemente independentes, a ponto de eleger Cuba
para presidir a Celac (Comunidade do Estados Latino-Americanos e
Caribenhos).


     Vigora atualmente um descompasso entre o que se vê e o que se quer. Há
uma multidão de jovens que deseja apenas um lugar ao sol sem, contudo, se
dar conta das espessas sombras que lhes fecham o horizonte.


     Quando não se quer mudar o mundo, privatiza-se o sonho modificando o
cabelo, a roupa, a aparência. Quando não se ousa pichar muros, faz-se
tatuagem para marcar no corpo sua escala de valores. Quando não se injeta
utopia na veia, corre-se o risco de injetar drogas.


     Não fomos criados para ser carneiros em um imenso rebanho retido no
curral do mercado. Fomos criados para ser protagonistas, inventores,
criadores e revolucionários.


     Quando Hércules haverá de arrebentar as correntes de Prometeu e evitar
que o consumismo prossiga lhe comendo o fígado? “Prometeu fez com que
esperanças cegas vivam nos corações dos homens”, escreveu Ésquilo. De onde
beber esperanças lúcidas se as fontes de sentido parecem ressecadas?


     Parecem, mas não desaparecem. As fontes estão aí, a olhos vistos: a
espiritualidade, os movimentos sociais, a luta pela preservação ambiental,
a defesa dos direitos humanos, a busca de outros mundos possíveis.


Frei Betto é escritor, autor do romance “Minas do Ouro” (Rocco), entre
outros livros.

 *http://www.freibetto.org/*>    twitter:@freibetto.

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