segunda-feira, 29 de abril de 2013

COLUNA DO PAULO TIMM(Torres-RS) - Drops abril 29 - OS DONOS DO BRASIL



Drops abril 29 - OS DONOS DO BRASIL - http://www.paulotimm.com.br/site/pags/drops.php
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30/04/2013 00h00  
RAÍZES DA AMERICA LATINA
Afinal, nós latinoamericanos, o que somos? Europeus, índios, o quê...?


A morte do Presidente  Hugo Chavez, faltando cinco minutos para as seis de tarde do dia 05 de março de 2013 impõe uma reflexão além do caráter de seu Governo e da própria Venezuela, mas das divisões políticas na América Latina.

América Latina era- e continua sendo- uma vaga expressão, sem definição legal ou estatutária, quase um estado de espírito.

A expressão América Latina foi utilizado pela primeira vez em 1856 pelo filósofo chileno Francisco Bilbao[10] e, no mesmo ano, pelo escritor colombiano José María Torres Caicedo;[11] e aproveitada pelo imperador francês Napoleão III durante sua invasão francesa no México como forma de incluir a França — e excluir os anglo-saxões — entre os países com influência na América, citando também a Indochina como área de expansão da França na segunda metade do século XIX.[12] Deve-se também observar que na mesma época foi criado o conceito de Europa Latina, que englobaria as regiões de predomínio de línguas românicas.[13] Pesquisas sobre a expressão conduzem a Michel Chevalier, que mencionou o termo América Latina em 1836, durante missão diplomática feita aos Estados Unidos e ao México.[14]
Ao final da Segunda Guerra Mundial, a criação da CEPAL, órgão das NAÇOES UNIDAS para a America Latina, consolidou o uso da expressão como sinônimo dos países menos desenvolvidos dos continentes americanos, e tem, em consequência, um significado mais próximo da economia e dos assuntos sociais.[15]

Éramos , e somos, pois,  um só continente, vagamente identificado como América Latina, mas no qual pululam, até nossos dias,  situações geográficas, históricas e culturais muito distintas.
                                                            
                                                                       II

A primeira grande diferença vem da  era pré-colombiana.

Há uma América Latina herdeira das grandes civilizações maia, asteca e inca, tidas como dentre as mais significativas na História da Humanidade, que se estendia ao longo da Cordilheira dos Andes até a Meseta Mexicana, enraizada em grandes contingentes indígenas. Eles foram conquistadas pela Espanha, que lhes impôs um jugo brutal, mas jamais desapareceram em vestígios. Eram mais de dez milhões de pessoas contra um punhado de administradores. Perderam a batalha da conquista, mas mantiveram a tensão do encontro entre civilizações.

E há América Latina implantada pelas potências coloniais, Portugal e Espanha, sobre áreas menos povoadas e mais pobres, as quais também se diferenciariam muito, tanto pela matriz das instituições coloniais de cada um destes países , como pelo processo de ocupação.

A portuguesa, no Brasil, operou numa vastidão territorial sobre a qual sobrepujou a presença indígena pelo tráfico negreiro. Um terço, aproximadamente,  da população do Brasil na época da Independência, quando éramos pouco mais de 3 milhões de almas, se constituíam de escravos negros e índios:

O número de índios (os que foram contados) e africanos eram muito próximos, cerca de hum milhão. Indios eram nativos da terra, estavam mais misturados aos portugueses depois de três séculos, produziam alimentos e eram vaqueiros. Africanos eram estrangeiros, mais restritos às culturas de exportação é às zonas de exploração de ouro e diamantes. O pardo português tinha tríplice origem: o índio, o negro e o árabe.
Ceci Juruá – Economista, RJ - Observação pessoal

 A hispânica , não tão vasta, ocorreu sobre as extremidades- platina e andina- do Reino Inca, vindo a formar o Chile, a Argentina e o Uruguai.  E tal é a diferença entre as áreas hispânicas com forte ou mais fraca presença indígena anterior à Colombo que Evo Morales, Presidente da Bolívia, orgulha-se de sua ascendência indígena, enquanto Pepe Mojica, Presidente do Uruguai,  disse em recente entrevista: “Estou farto de ser gaúcho, quero ser uruguaio...”

De qualquer forma, a América Hispânica, malgrado suas diferenças, é essencialmente diferente de América Lusitana. E não por causa do idioma, que até as une, mas pela evolução que cada uma viria a ter a partir do descobrimento. A primeira, objeto de conquista militar; a segunda, mera ocupação. A hispânica literalmente saqueada em suas riquezas minerais; o Brasil, objeto de montagem de um empreendimento colonial.  Quando se quebra o Pacto Colonial, nas Guerras Napoleônicas, que levariam suas tropas à ocupação das metrópoles da América Latina na Península Ibérica, deixando-as à deriva, instaura-se um processo também muito diferente entre as colônias espanholas e portuguesas. A hispânica  passará por um processo de independência mais tortuoso do que o do Brasil, onde houve uma simples transferência de Poder, negociada no interior da própria casa de Bragança. Mas oshermanos a viveram e a sonharam com mais intensidade, sob a forma republicana, embora com grandes conflitos internos, nos quais desponta , de um lado a figura de Simón Bolivar, como o Libertador, sonhador de uma só pátria latinoamericana e seus pares, como San Martin , Ponce e mais tarde Sarmiento, francamente afiliados à idéia da europeização do continente.

“ Bolívar fue el primero en liberar los esclavos de su familia, aun antes de prometérselo a Petión líder de la República de Haití que costeara parte de los gastos del ejército de Bolívar., sino en el sentido de que al tiempo que Bolívar iba destruyendo el orden virreynal, iba creando las condiciones para la liberación de las potencialidades de esa burguesía que reclamaba su lugar en la historia. Los Libertadores no solo se enfrentaron a los absolutistas, sino que también enfrentaron a esa pequeña burguesía liberal librecambista (a la cual pertenecían, en el caso de nuestro país, los próceres de Ponce: los Rivadavia, los Mitre, los Sarmiento) que estaban comprometidos con el librecomercio inglés, en desmedro del incipiente capitalismo americano y que fieles a él hasta las últimas consecuencias, le dieron la espalda al Congreso Anfictiónico de 1826, sumieron a la América toda, en la guerra civil, desmembraron la unidad político-cultural que constituía la “América antes española”, en una multitud de pequeños estados, que fueron pasto fácil del imperialismo anglosajón, primero y del estadounidense después.”


A verdade é que nossas elites continuavam formando-se intelectualmente na Europa, mas pouco sensíveis às questões lá suscitadas pela industrialização nascente. Sua grande bandeira de luta comum era contra o absolutismo, ( sequer quanto à forma  republicana ou monárquica, que viesse a assumir,  desde que Constitucional) e sua grande divisão era quanto aos caminhos da soberania e do progresso. Uns, mais ousados, já procuravam um caminho autóctone para seus países; outros viam na Europa o modelo a ser seguido. Ambos, contudo, eram   desconfiadas frente à  experiência norte-americana, que nunca disse muito  respeito à História da América Latina.  Um autor contemporâneo, Richard Morse , no seu livro “O Espelho de Próspero”,  insiste, inclusive,  na tese sobre a origem  cultural deste desencontro histórico: os norte-americanos sempre vêem o sul do Rio Grande como um caso frustrado de desenvolvimento, enquanto os latinoamericanos vêem os Estados Unidos como um caso frustrado de realização humana. Diferenças de origem na percepção das questões fundamentais da humanidade, que até hoje, dificultam o diálogo Norte-Sul no Continente.

Foi precisamente este desencontro entre a aspiração nacional e  formas de construi-la, que foi  aprofundando, cada vez mais, o confronto ideológico no Continente , que nunca foi, rigorosamente, o mesmo que o da Europa. O que não quer dizer que não se tenha nutrido -metologicamente- dele, ao longo do século XX.   Lá, o conflito capital/trabalho, aguçado pela industrialização, instigado pelo marxismo, apontava para a disjuntiva capitalismo x socialismo. Aqui, o continente dilacerado pela Conquista, pela colonização e pelo “mercantilismo” inglês, debatia-se para se erigir soberanamente, salientando o conflito nação x imperalismo, este alimentado pelo liberalismo.   Não por acaso, portanto, quase sempre os nacionalistas acabassem em  luta fratricida contra os liberais. 

QUE SOMOS, BOLIVARIANOS O SANMARTINIANOS?
Mariano  Grondona
 O ensaista argentino Mariano Grondona traça interessante paralelo entre a
 visão de Simón Bolivar - modelo político personalista, da chamada
 "presidencia perpétua" substituindo o mando de uma pessoa (o rei espanhol)
 por um caudilho latinoamericano - e a visão do libertador argentino José de
 San Martin - modelo político institucionalista,não à reeleições sucessivas.

 Estará a América Latina vivendo hoje um novo confronto entre os projetos
 "bolivarianos" e os "sanmartinianos ? Uma pergunta que pode provocar
 respostas diferenciadas mas que estimulará, sem dúvida, uma importante
>discussão.


 ¿Qué somos, bolivarianos o sanmartinianos? Mariano Grondona
 Cuando Simón Bolívar y José de San Martín se reunieron en Guayaquil en
 1822, no se sentaron frente a frente sólo dos generales victoriosos unidos
 por el mismo ideal de la independencia americana, sino también los
 portadores de dos concepciones opuestas del poder.

 Bolívar y San Martín fueron dos personalidades tan extraordinarias que
 Plutarco (46-119) no habría vacilado en incluirlos en sus famosas Vidas
 paralelas . Cuando América se emancipó, el nuevo continente tuvo que llenar
 el vacío de poder que le dejaba el tumultuoso alejamiento de sus tutores
 europeos. Para remediar esta carencia, surgieron dos modelos políticos. Uno
 personalista, el de Bolívar. Otro institucional, el de San Martín.



Mas se não tivemos Plutarco, tivemos Jorge Luis Borges, quem, para gáudio dos tradicionalistas  riograndenses, que se gabam das proezas de gaudérios ancestrais, percebeu a grandeza épica do gaúcho retratado em Martin Fierro, como expressão das raízes latinoamericanas, colocando-o ao lado da Odisséia...

 A partir, pois,  das divergências originais entre Bolívar e seus pares, dois “ícones”  acabariam  assentando  as bases do pensamento e ação  para o que viria a ser o século XX: José Marti, inflamado publicista cubano, que viria a morrer em conseqüência de ferimentos em combates sofridos no México, e Domingo Sarmiento, vigoroso intelectual argentino que viria a ser respeitável político conservador na Presidência daquele país.

Marti (1853 - 1895) entende a salvação da América Latina, afirmando sua geografia, sua gente, seus valores.“Crear es la palavra de base de esta generación”, proclama em artigo publicado no “El Liberal”, em 27 de setembro de 1989. É um rebelde. Mais que isto, um apólogo da rebeldia: “El primer criollo que le nasce al español,  el hijo de la machinche, fué em rebelde”, conforme discurso pronunciado na Sociedade Hisponamericana, em 19 de dezembro de 1889, na homenagem aos delegados à Conferência Internacional Americana de Washington.

Para Marti, “conecer es resolver”:

“Conocer el país es gobernarlo conforme al movimento, el único modo de               librarlo de tiranias, mas mata su hijo en America del Sur quién le da mera educación universitaria”.

Diversas gerações de intelectuais latino-americanos tomariam os conselhos de Marti ao pé da letra, recusando-se a freqüentar os bancos universitários, certos de que homens naturais venceriam letrados artificiais. Com efeito, para Marti, o bom governante na América não seria o que sabe como se  governa, assim como  o alemão ou o francês, mas o que sabe com que elementos está feito seu país e como pode ir trabalhando em conjunto para chegar, por métodos e instituições nascidas do próprio país, àquele estado desejável,  onde cada homem se conhece e cresce, onde desfrutam todos da abundância que a Natureza pôs à disposição de todos, na terra que fecundam com seu trabalho e defendem com suas vidas.

Já Sarmiento (1811 - 1888) é o oposto. É o homem ilustrado, com formação jesuíta, positivista, com olhos vidrados no  modelo  “civilizado”. O título de seu principal livro é ilustrativo: “Barbarie o Civilización em La República Argentina”, publicado em Madri no final do século, resultado de um conjunto de artigos publicados no diário “El Progresso”, em 1845. Para ele, o atraso estava na ignorância das massas “creollas”, e o progresso ficava condicionado à possibilidade de educá-las de forma a reconhecer a importância dos valores e instituições da Europa. Sarmiento ataca a ditadura de Rosas, que se sustenta pela brutalidade do  “el que no está conmigo, es mi enemigo”. E onde denuncia uma educação doméstica “señorial” (pag. 294 - Facundo - Ed. Cidade). Sarmiento não suporta o uso da violência do campo como meio para domar a cidade. Prefere a autonomia civilizadora da própria cidade. O americanismo (latino) tão caro a Marti, era um estorvo para Sarmiento.

Todo lo que de bárbaro tenemos, todo lo que nos separa de la Europa alta, se muestra desde que la República Argentina a organizado un sistema y disputa  a parte de los pueblos de procedencia europea”.

Ele pretende, então, “salvar” a Argentina, tirando-a da barbárie do campo e dotando a cidade de instituições civilizadas. Sarmiento quer “branquear” seu país e toma os Estados Unidos como um exemplo de pureza racional e institucional a ser seguido. Já  Presidente da Argentina, transformou essas idéias em realidade, com um extraordinário projeto educativo a partir da Escola Normal do Paraná, ao qual agregou o impulso à imigração  italiana que ir-se-ia concentrar em Buenos Aires. Como afirma em “El Proyeto de Sarmiento y sua vigência”, in Cadernos Americanos, nº 13, México 1989:

Habia que realizar una mera emancipación, la emancipación mental, lo qual     implica anular la justaposición impuesta, anulando sus componentes: anular el español, el indigena, el africano, los hábitos y costumbres heredados de la conquista, pero igualmente lavar la sangre de etnias que haviam mostrado su incapacidad para la civilización”.
Marti e Sarmiento são dois grandes personagens do seu tempo. Eles  lançam luzes para o entendimento dos rumos atuais da  política na  América Latina .

Marti, cubano, antecipa um revolucionário Fidel Castro, com roupagens marxistas,  como “paladino do populismo”, como o classifica Florestan Fernandes, na crítica feroz à submissão aos modelos ocidentais. E justifica Hugo Chavez.

Sarmiento, argentino, antecipa o conservadorismo esclarecido de Fernando Henrique Cardoso, hábil condutor, em seu Governo de um alinhamento incondicional à globalização. E explica Vargas Llosa.

Duas linhagens  ideológicas, portanto, vão se desenhando no Continente, desde Bolivar x San Martin, passando por Marti x Sarmiento, chegando até o Século XX, quando se enriquece com novas fontes de inspiração e novas realidades geopolíticas. 

                                                                     III
A linhagem da rebeldia vai sempre ao encontro do grande povo em busca da recuperação  de sua ancestralidade. Nutre-se de versos e recorrências heróicas reais, como  Tupac Amaru,  ou ficcionais, como Martin Fierro, ambas mitificadas.  Publicado no fim do século 19, Martín Fierro é um poema épico em que o  José Hernández protesta contra as tendência europeizantes do  mencionado  Domingo Sarmiento, então.  Em duas partes, a obra evoca a colaboração dos” gaúchos”  na luta pela independência do país – (Antonio Gonçalves Filho – O Estado de São Paulo- 6 de julho 2008 – transcrito em  - http://blogdofavre.ig.com.br/tag/facundo/)

Os primeiro versos do Martín Fierro
1
Aquí me pongo a cantar
Al compás de la vigüela,
Que el hombre que lo desvela
Una pena extraordinaria
Como la ave solitaria
Con el cantar se consuela.
2
Pido a los Santos del Cielo
Que ayuden mi pensamiento;
Les pido en este momento
Que voy a cantar mi historia
Me refresquen la memoria
Y aclaren mi entendimiento.
3
Vengan Santos milagrosos,
Vengan todos en mi ayuda,
Que la lengua se me añuda
Y se me turba la vista;
Pido a Dios que me asista
En una ocasión tan ruda.
4
Yo he visto muchos cantores,
Con famas bien obtenidas,
Y que después de adquiridas
No las quieren sustentar:
Parece que sin largar
Se cansaron en partidas.
5
Mas ande otro criollo pasa
Martín fierro ha de pasar,
Nada la hace recular
Ni las fantasmas lo espantan;
Y dende que todos cantan
Yo también quiero cantar.




Em contraparte, a linhagem liberal-conservadora tinha – e segue tendo - um projeto de reeditar na América Latina os ideais e realizações da Europa, centro do mundo civilizado. Prefere a razão instrumental à poesia e se debate com o a dificuldade para romper com a ortodoxia de suas imagens idealizadas. Como não possui nutrientes emotivos internos que a legitimem em suas aspirações de liderança, fracassa em realizá-la sob os auspícios da liberdade, que tanto proclama. Teve êxito essa proposta quando a política no continente se concentrava nas mãos de uma pequena fração da população proprietária e letrada , num tipo de democracia de notáveis, cujos exemplos marcantes são o II Império e República Velha, no Brasil, e os anos ditos San Martinianos do período áureo argentino.

“La Argentina del
 impar crecimiento económico de fines del siglo XIX y de principios del
siglo XX, en suma, no fue bolivariana sino sanmartiniana”.

  (Mariano  Grondona in “Que somos, bolivarianos o sanmartinianos”)


Mas quando o processo eleitoral se estende para o conjunto da população, nas últimas décadas do século XX ,  e a incorpora à vida política de cada país, o conservadorismo, estranhamente liberal, sucumbe. É sistematicamente derrotado nas urnas e se vê na tentação de dar todo o  suporte aos regimes ditatoriais mais  sangrentos do continente, em conluio com interesses internacionais:  ditaduras recentes do Cone Sul, cujos germens já estavam em Fulgencio Batista ,  Somoza e  Stroessner,

Curiosamente, mesmo com estes pecados,   este conservador-liberalismo proclama  uma vantagem sobre a vertentecreolla: Diz-se  Republicano, no que isso tem de valorização  da coisa pública e suas instituições, enquanto los de abajo, no poder, atropelam-nas na esteira do projeto de Presidência perpétua, defendido por Bolivar,  com os recursos supostamente condenáveis da manipulação das massas, a que denominam “populismo”. 


Aqui,  uma inevitável digressão.

O curso do século XX, com acelerada incorporação de mercados fornecedores à industria dos países centrais não altera substancialmente o tronco fundamental da divisão político-ideológica da América Latina – nação x imperialismo - , mas lhe entrega novos ingredientes. A população cresce enormemente e é empurrada para as cidades, onde se inicia um lento processo de substituição de importações pela fabricação local. A velha estrutura oligárquica não suporta o peso desta mudança e o continente inteiro reverbera a necessidade de grandes mudanças capazes de atender necessidades básicas de reprodução destes contingentes. É o século, também, da afirmação do marxismo na Europa, com a importante tomada do poder pelos bolcheviques na Russia , daí surgindo um verdadeiro tsuname ideológico que contamina os  movimentos populares do mundo inteiro, América Latina incluso. Mas o comunismo que professam é uma Filosofia, de forte caráter militante mas pequena penetração numa cultura mágica, marcadamente religiosa, vazada de soberania pátria pelos longos anos de hegemonia conservadora-liberal e distante do manancial libertário secular. Excede-se em argumentos. Perde-se em retórica. Carece de carisma para se comunicar às massas pelo coração.  Poucos líderes comunistas – J.C. Mariátegui, fundador do PC no Peru,   talvez seja uma exceção- , se deram conta do que estava realmente ocorrendo no continente. Mais das vezes, ou ficaram a reboque dos acontecimentos – como em Cuba -, senão contra a maré da história, ou deixaram de cumprir um importante papel sinérgico neste processo.

O México, pela precocidade de sua Revolução Agrária, logo no início do sec. XX, ficou literalmente à margem deste encontro do radicalismo libertário continental com o radicalismo europeu expresso pelo marxismo importado.  A maioria dos Partidos Comunistas na América Latina é posterior à década de 20. No Brasil, data de 1922. No começo, aliás, há um inevitável estranhamento de linguagens, métodos e horizontes. Relembre-se que há um famoso verbete escrito por Marx sobre Bolívar, condenando-o. De outra parte, já a partir da década de 30 o Movimento Comunista Internacional filia-se  ao princípio do internacionalismo proletário que significava a defesa intransigente da Uniáo Soviética, acima de qualquer proclamação nacional. Tudo isto contribui para o difícil aproximação.

O exemplo mais claro desta divergência ocorre no Brasil.

Luiz Carlos Prestes, grande líder tenentista, no bojo das aspirações de modernização do país contra uma República Oligárquica que se mostrava  incapaz de abrir horizontes políticos e econômicos para uma população em rápido crescimento nas cidade, adere ao comunismo no exílio, no final da década de 20 e se mantém afastado dos acontecimentos que desembocarão na Revolução de 30.   – “Esta não é a minha Revolução” , teria ele respondido a Getúlio Vargas, quando este  lhe oferece um lugar destacado no movimento. Não só não apóia a Revolução de 30 como move, de longe,  uma forte oposição ao regime que se lhe segue, culminando na tentativa fracassada do putsch de 1935, de triste memória. E mesmo tendo sido Prestes um dos mais destacados defensores do “Queremismo” ao sair da cadeia, em 1945, defendendo a  manutenção de  Vargas no comando da convocação da Constituinte , não lhe deu o apoio, mais tarde, quando este mais o necessitava:  no fatídico agosto de 54. Ou seja, Prestes, malgrado sua respeitável dignidade,  e os comunistas, erraram feio no Brasil, isolando-se de um movimento de grande profundidade que se desenrolava naquele momento e  isolando-o de um importante segmento da corrente revolucionária mundial. Não compreenderam o que , mais tarde, Caio Prado Jr. em A Revolução Brasileira, consagraria como entendimento da Revolução, não a tomada do poder, mas o processo que lhe subjaz:

“Revolução” em seu sentido real e profundo, significa o processo histórico assinalado por reformas e modificações econômicas, sociais e políticas sucessivas, que, concentradas em período histórico relativamente curto, vão dar em transformações estruturais da sociedade, e em especial das relações econômicas e do equilíbrio reciproco das diferentes classes e categorias sociais. O ritmo da História não é uniforme. Nele se alternam períodos ou fases de relativa estabilidade e aparente imobilidade, com momentos de ativação da vida político-social e bruscas mudanças em que se alteram profunda e aceleradamente as relações sociais. Ou mais precisamente, em que as instituições políticas, econômicas e sociais se remodelam a fim de melhor se ajustarem e melhor atenderem a necessidades generalizadas que antes não encontravam devida satisfação. São esses momentos históricos de brusca transição de uma situação econômica, social e política para outra, e as transformações que então se verificam, que constituem o que propriamente se há de entender por “revolução”


Não foi muito diferente na Argentina. O advento do peronismo, como fenômeno de massas ultrapassou de longe a capacidade dos comunistas de se situaram na vanguarda da História. O dia  17 de outubro, lá venerado, vem a calhar como momentum de reflexão e  referência. 
“Haciendo memoria....

Por aquellos años, el presidente, general Edelmiro Farrell nombró al coronel Juan Domingo Perón secretario de Trabajo y Previsión, ministro de Guerra y Vicepresidente de la Nación, cargos en los que desempeñó una intensa actividad.
Perón como secretario de Trabajo y Previsión se ganó la lealtad de los obreros, a través de importantes medidas, como numerosos aumentos de salarios, y proyectos que poco después se concretarían, como la Justicia de Trabajo o el pago de las vacaciones y el aguinaldo.
Lo cual explicaba movilizaciones populares que se produjeron el 17 de octubre de 1945.
Según algunos historiadores, el sindicalismo argentino, hasta entonces desanimado por las propuestas de lucha de comunistas y socialistas, se aproximó a las soluciones reales y concretas que les ofrecía Perón.
Pero el 8 de octubre de 1945, el general Avalos pidió a Farrell que destituyese a Perón, quien fue detenido y llevado a la isla Martín García, y luego al Hospital Militar. Disconformes con la medida amplios sectores populares marcharon a Plaza de Mayo y reclamaron la libertad de su líderes.
Desde las primeras horas de la mañana del 17, comenzaron a llegar columnas de manifestantes con banderas y pancartas a la Plaza de Mayo que venían desde Avellaneda, Lanús, Banfield, Quilmes, San Martín.
Los manifestante se convertirían en todo un símbolo de un movimiento nacional popular, para algunos estudiosos el mas importante de Argentina: El Peronismo.
Dada la magnitud de la manifestación y el reclamo de la gente por su líder, los militares se vieron obligados a buscar a Perón para que calmara al pueblo. Esa noche, Perón salió al balcón a tranquilizar al pueblo que lo aclamaba. Y entre cánticos y gritos, agradecido por el apoyo, Perón emitió su discurso. “Muchas veces he asistido a reuniones de trabajadores, y siempre he sentido una enorme satisfacción, pero hoy siento un verdadero orgullo de argentino porque interpreto este movimiento colectivo como el renacimiento de la conciencia de los trabajadores”, señaló.
De esta manera, con el 17 de octubre se escribió otra página en la historia de Argentina y se convirtió en día significativo en especial para los partidarios de Juan Domingo Perón que cada año recuerdan la fecha con emotivos actos en todo el país. (Fuente del sitio Saltoenred)”

IV

Vargas e Peron estão já distantes no tempo, mas muito próximos na História. Carregam em suas biografias duas críticas  que se reeditam em uníssono por todo o continente, sempre que  um líder popular se insinua como alternativa  concreta de poder: Carisma e Populismo. Ambas, paradoxalmente, agiornadas em meios marxistas.

Uma das mais respeitáveis economistas do país, Eliana Cardoso, por exemplo aventurou-se, outro dia, em artigo no Estadão a desmontar a imagem pública de Gandhi , líder da Independencia da India, trazendo à tona seus supostos preconceitos sociais, falhas humanas  e erros políticos.( “A herança do Carisma”-http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-heranca--do-carisma-,943418,0.htm ) Tudo para mostrar o risco dos mitos na Política, decorrentes, evidentemente, do carisma de seus inspiradores. Com que objetivo? Com o claro propósito de mostrar que as fórmulas latinoamericanos de gosto popular , avessas ao modelo europeu de racionalização da vida pública e política, são perigosas,  não só à democracia, como ao progresso em geral do continente. Fracassa. Confunde carisma com mito. E esquece de mostrar que o carisma, além de um traço de distinção humana, como o talento ou a inteligência, é um precioso fator de oxigenação nas estruturas burocratizadas das organizações, assim como o empresário no mundo empresarial. 

Mais uma sanmartiana...

A crítica  ao populismo é mais contundente e metologicamente mais  sofisticada. Nem há necessidade de referenciá-la, tão universalizada se tornou: “manipulação das massas”.  Nasceu no bom berço na Faculdade de Sociologia de Sáo Paulo como um veredicto condenatório aos Governos Vargas e Goulart,  que não teriam sido  capazes de oferecer uma perspectiva  “conseqüente” às classes trabalhadoras. Vários autores e livros já se dedicaram à verificação da origem primeira do uso  da expressão “populismo”no Brasil, mas a versão que importa registrar é a que se consagrou nos livros de Otavio Ianni, Francisco Weffort e vários outros.  E que falta de  perspectiva seria essa apontada pelos teóricos  críticos do “populismo”? A Revolução. Ou seja, uma visão marxista ortodoxa  da ação política conseqüente com  o indefectível  salto ao socialismo. Eis,  aqui,  de novo, a incapacidade de compreender em profundidade o que significa Revolução na América Latina.


Encerro a digressão sobre carisma e populismo, chamando a atenção de que não se trata de defender acriticamente todas as experiências tidas como  de condução carismática e populista na América Latina , mas de situá-las como válvulas de realização política quando os canais de organização e representação popular estão obstruídos, seja pela marginalização de grande parte da sociedade das instituições legais, como Escolas,  Partidos e Sindicatos, seja porque elas se encontram aparelhadas por  organizações políticas  “fechadas”.

                                         CONCLUSÃO

O  desenrolar do século XX, principalmente depois da década de 80, trouxe um cenário tão  completamente novo no panorama internacional,  com reflexos na América Latina,  que se fala crescentemente em Nova Era:   A Guerra Fria descongelou-se a favor dos Estados Unidos como potência hegemônica , mas desembocou numa Crise Econômica sem precedentes;  o planeta chegou ao seu limite de aproveitamento dos recursos naturais , com quase 7 bilhões de corpos desejantes ; o marxismo desencantou-se,  no duplo sentido de perder sua matriz soviética e também de sua franca preponderância sobre a consciência crítica mundial, abrindo caminho para novas demandas ligadas ao meio ambiente e  aos direitos humanos ;  a ciência ultrapassou os limites do imaginável e nos interconectou  on line em escala global colocando o futuro à nossa porta.  Tudo isso exige, naturalmente, reflexões sobre os rumos do  desenvolvimento econômico e político da América Latina.  Talvez não devamos reproduzir mecanicamente as fórmulas do passado. Até porque elas desembocaram em impasses insuperáveis ou retrocessos.  Trata-se, mais bem, de combinar  a matriz da grande energia mobilizadora do Continente, sua alma ardente, com demandas    civilizatórias que não representem mera transposição cultural. Vida e morte de Chavez  não foram em vão. Elas apontam para a necessidade de uma reflexão mais profunda das raízes do radicalismo latino-americano e de como ele se constitui na chave para a mobilização de mudanças no Continente. No cerne destas questões a revisão do conceito de populismo, tão arraigado na nossa cultura política.

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