sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

EDUCAÇÃO - Sayonara(QUARAÍ-RS) - Por que competências e habilidades, hoje?




......à medida que demonstrou possuir muito dos fatores que concorriam para o sucesso, mas não todos, ou não com a coordenação necessária para vencer o desafio.


Continua: 


Autonomia como princípio didático

No livro introdutório dos Parâmetros Curriculares Nacionais (de primeira a quarta série), há um capítulo sobre "orientações didáticas". Os títulos que encabeçam as diferentes partes desse capítulo são: autonomia, diversidade, disponibilidade para aprendizagem, interação, cooperação, organização do espaço e do tempo e seleção de material.

Por que autonomia está em um capítulo sobre orientação didática? 

O que significa autonomia como princípio didático, se nosso costume mais freqüente é ler sobre esse termo como um princípio moral ou ético? 

A importância da autonomia como princípio didático sempre foi valorizada por Piaget.

Para explicar por que autonomia é, de fato, um princípio didático, pensemos o exemplo do que ocorre com as lombadas das vias públicas e das estradas. Pode-se analisar nossa relação com esse obstáculo de três modos distintos. O primeiro nos lembra que a lombada é um redutor de velocidade que deve ser respeitado como limite físico. Caso contrário, nosso automóvel pode ser danificado. Ou seja, a lombada nos impõe um limite que temos de respeitar, para não arcar com prejuízos. O segundo aspecto corresponde ao que pensamos, julgamos, sentimos, sobre lombada. Podemos ser contra e achar que isso é controle de países de Terceiro Mundo. Ou seja, na prática, respeita-se a lombada, no pensamento, critica-se a estratégia antiquada e desagradável. Um terceiro aspecto é o de se fazer gestões para a mudança dessa regra com a qual não concordamos. As gestões, dentro de nossos limites, podem ser de muitas formas: fazer críticas verbais, escrever cartas etc. O importante é que se faça algo para a mudança de uma lei com a qual não se concorda.

Assim, também acontece no jogo. Nele também há um jogar concreto, que implica tomar decisões no contexto das regras e do objetivo a ser alcançado, resolver os problemas propostos etc. Por outro lado, há uma teoria das melhores jogadas, as explicações ou interpretações que se dá para o ganho ou perda, enfim, todo um conjunto de idéias sobre o jogo. E há, tal como no exemplo da lombada, o que se faz para aperfeiçoar o jogo, ou a forma de jogar, o estudo etc., tudo aquilo que se faz para se tornar um melhor jogador, ou para melhorar a forma de ser de um jogo. As três dimensões estão interligadas, mas expressam dimensões diferentes.

Mas, de que forma isso tudo se relaciona com autonomia? Piaget valorizava autonomia como método didático. Durante trinta anos, aproximadamente, ele foi diretor do Bureau International de l’Education da Unesco. Para comentar e analisar os diferentes métodos pedagógicos que se usavam em muitos lugares do mundo, Piaget utilizava três princípios metodológicos: 1) ativo, 2) de autonomia ou autogoverno e 3) de trabalho em equipe ou de cooperação. 

O construtivismo de Piaget não é um método, mas se refere, justamente, a esses três princípios metodológicos. Muitos métodos diferentes adotam princípios construtivistas.

Autonomia como método pedagógico refere-se a permitir, despertar, favorecer, promover, valorizar, exercitar o poder de pensar da criança. O pensamento como uma possibilidade ou necessidade diferente da realização ou do aperfeiçoamento propriamente dito daquilo a respeito do qual se pensa. Quando uma professora valoriza, em sala de aula, discussões sobre os diferentes resultados de uma conta, ela está praticando o princípio da autonomia como um princípio metodológico. Argumentar, descrever, ter idéias diferentes sobre uma mesma coisa etc., em um contexto de iguais, são ações que contribuem para o desenvolvimento da autonomia. Autonomia é uma disciplina de poder pensar a realidade de modo interdependente com ela. 

Autonomia nos ajuda a compreender porque - mesmo que não se possa decidir sobre certos temas - é importante discutir sobre eles. Ou seja, há temas que não se votam na sala de aula, mas que é importante discutir sobre eles. Por exemplo, há uma lei que proíbe que se fume em espaços públicos como a sala de aula. Do ponto de vista do primeiro aspecto, acima mencionado, essa restrição é terrível para um dependente de nicotina. Mas, há, igualmente, o fato de que uma lei biológica prova cientificamente que fumar prejudica a saúde, pois pode provocar várias doenças, dentre elas o câncer. Há também uma lei social que diz que será multado, ou preso, quem a ela desobedecer. Portanto, não se trata de votar, ou de decidir, sobre a possibilidade, ou não, de se fumar em sala de aula. Do ponto de vista do segundo aspecto, acima mencionado, talvez fosse bom analisar o sofrimento de um viciado em nicotina que deve permanecer em um local onde não possa fumar por mais de uma hora. Talvez fosse bom analisar também o direito de não contaminação dos que não fumam e permanecem em ambientes comuns aos fumantes como, por exemplo, a sala de aula.

Autonomia, então, é o método que autoriza e fornece estratégias para promover um pensamento sobre uma realidade, mas em condições independentes de sua realização ou limites. Autonomia, é aprender a pensar, argumentar, defender, criticar, concluir, antecipar. 

Sabemos que há métodos mais econômicos e melhores para fazer cálculos. Por esse lado, é tolice perder tempo com técnicas pobres e limitadas. Mas, na perspectiva da autonomia, deve-se permitir que a criança repita, às vezes de forma até mais precária, a evolução social de um desenvolvimento matemático. Por isso, é interessante analisar as soluções apresentadas pelas crianças, promover a discussão dessas soluções, permitir que aquelas enfrentem suas pseudo-soluções, contradições e que na diversidade das formas apresentadas, a forma melhor possa pouco a pouco ser vitoriosa. Para isso, é necessário que o professor tenha conhecimento (da história sociocultural de uma noção, no caso), confiança e paciência. Por isso, na perspectiva do desenvolvimento da autonomia, o professor, além de dar informações, funciona como um coordenador das discussões sobre as diferentes soluções; é ele quem formula as boas perguntas e que, qual pesquisador, coleciona as diferentes respostas produzidas por seus alunos, que as compara, aprofunda etc.

Não é fácil ser coordenador desse tipo de discussão. Como promover, liderar, conviver com os impasses de tantas diferenças e discordâncias? Autonomia como princípio pedagógico tem o valor educacional de promover, nos limites da idade das crianças, dos temas, de suas possibilidades cognitivas, de promover o argumentar, pensar, formular hipóteses, dizer sim, dizer não, apresentar argumentos, justificar etc. Pois é essa qualidade de pensamento que vai nos libertando do real para que possamos, inclusive, ser bons parceiros.

Dessa forma, independentemente de não se poderem votar certos temas, não estamos proibidos de pensar a respeito deles. Se não podemos votá-los, que gestões ou decisões podemos tomar para administrar essa impossibilidade? Quem sabe liberar a cada quarenta e cinco minutos o professor, os alunos fumantes para que eles cultivem seu vício longe da sala de aula? Quem sabe encontrar soluções alternativas para esses viciados? Autonomia, como método, ou seja, disciplina, cria um espaço social e mental para recriar regras, discutir, negociar pensamentos diferentes, encontrar saídas par uma realidade difícil e limitadora. 

Ser autônomo não é ser independente. Ser autônomo é ser responsável pelo que se faz ou pensa. Se pensamos algo, devemos aprender a defender essa opinião, e isso é de nossa responsabilidade.

Autonomia não é sinônimo de independência, porque nenhum de nós é independente. Ser autônomo é ser responsável pelos próprios atos e pensamentos como método. Uma criança recém-nascida, às vezes com problemas de saúde, tem aspectos que são unicamente de sua responsabilidade. É responsável pelo seu mamar, por exemplo; sua mãe não pode fazer isso por ela. Essa criança já tem autonomia, pois tem responsabilidades: respirar, vomitar, defecar, reagir à dor, ou seja, a autonomia começa nesse plano de ações que somente o sujeito pode fazer por ele e que termina no plano do pensamento formal, ou hipotético dedutivo, em que o sujeito é responsável por suas produções, pelo que faz em contexto social e profissional. 

Autonomia não é sinônimo de independência porque se expressa em um contexto relacional. A criança é responsável pelo seu mamar, mas não tem mamas nem leite. Ser autônomo é ser parte e todo ao mesmo tempo, por isso não se é independente. Por que é ser parte? O mamar é uma ação do sujeito, algo de sua responsabilidade, conquistado pelo dever sociocultural de ser alimentado e cuidado pelos mais velhos e pelo poder biológico em sua condição de mamífero. Mas mamífero que depende de uma mama, que depende de certas condições sociais que favorecem esse ato
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O mesmo acontece num contexto de jogo: quando chega a vez de alguém jogar, ele torna-se o único responsável por suas decisões. 

Ter autonomia para decidir ainda não significa ser independente. Por exemplo, a autonomia como gesto que possibilita o engatinhar significa construção de uma coordenação motora em que braços e pernas se articulam de modo interdependente. Braços e que braços e pernas têm movimentos independentes, mas o engatinhar, como autonomia, implica que agora ambos são simultaneamente parte e todo ao mesmo tempo. 

Autonomia não é independência porque expressa sempre um contexto relacional. Por isso, autonomia é um exercício de interdependência.

Refletir supõe discutir, como gostava de dizer Piaget, recordando uma frase de Pierre Janet: "discutir é refletir com os outros; refletir é discutir consigo mesmo." 

A competência do sujeito e a do objeto, cedo ou tarde, hão de resultar em uma competência relacional, sob pena de uma ou outra se perderem. A competência conceptual, por exemplo, de uma professora e a "competência" do livro que utiliza como apoio para suas aulas devem incorporar, no contexto de sala de aula, a competência dos alunos. A competência desses supõe descobrir ou inventar novamente (reinventar) o que no plano da professora ou de seu livro já estavam presentes. A competência relacional corresponde, por isso, a urna hipótese fundamental do conhecimento como coordenação de perspectivas, de uma dupla referência (a do sujeito e a do objeto) que ao interagirem criam urna terceira forma de conhecimento delas resultante. Em outras palavras, o objeto (o conhecimento organizado como objeto, disciplina, como corpo conceptual, agora independente dos sujeitos que o produziram) e o sujeito (as pessoas ou ações das pessoas que agindo sobre os objetos produziram um conhecimento sobre ele), considerados independentes um do outro, devem agora operar como parte e todo ao mesmo tempo, em um contexto de interdependência.

A autonomia na perspectiva de uma competência do sujeito ou do objeto pode ser pensada em sua condição independente, livre, como um todo, que opera por si mesmo. A autonomia na perspectiva da competência relacional deve ser pensada em sua condição interdependente, em que parte e todo formam um sistema. 

Autonomia, nessa perspectiva, supõe responsabilidade (compromisso de uma parte com outras) e reciprocidade (interagir de forma mútua, em que a melhoria de uma parte supõe a de outras partes). Nesse sentido, é que vale a frase "se as crianças não aprenderam, o professor não ensinou." Por isso, agora há pesquisas para o desenvolvimento de técnicas e estratégias de como promover uma discussão em matemática, história, geografia etc. 

Autonomia é mais do que uma questão ética ou moral, é um princípio didático que supõe o desenvolvimento de uma competência para ensinar com essa qualidade construtiva. Piaget dizia que "a lógica da ação corresponde a uma moral do pensamento". A autonomia é uma forma de moral do pensamento que, livre, reflete sobre o objeto, mas que, responsável, não confunde esse pensamento com a própria realidade sobre a qual reflete. Essa moral do pensamento, para ser assim, há de exibir, pouco a pouco, propriedades reversíveis, antecipatórias, argumentativas etc. No jogo, por exemplo, o jogador é desafiado para conquistar autonomia, planejar as jogadas, avaliar, no sentido de regular suas ações em cada momento da partida em função do objetivo, das jogadas do adversário etc.

Esse é o sentido de se considerar a autonomia como uma orientação didática. Como uma disciplina que promove uma competência relacional nos alunos, que os educa para uma interação com qualidade interdependente. Para isso, sem dúvida, não basta dominar técnicas que promovam essa forma de autonomia, é preciso também que o professor se disponha a construir essa forma de pensamento e relação como algo que vale também para ele.

Leia na próxima Edição:  
Aprendizagem significativa e competência relacional

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