segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Quando vida imita a arte sem efeitos especiais


            

         E de repente um indivíduo de preto e encapuzado de arma na mão para trás, surge de trás de um carro, caminha rente ao muro, esgueira-se na reentrância de um portão, chega à varanda do Bar, encosta de imediato o cano na cabeça de outro sentado à mesa e dispara dois tiros mortais. A vítima cai imediatamente entre familiares. Uma neta é  levada pelo tio aos gritos traumatizada.

         Não! Não é filme de gangues, nem noticiário  sensacionalista de televisão. Nem  é coisa das favelas estigmatizadas do Rio de Janeiro ou de São Paulo. Acontece na porta de nossa casa, em rua de subúrbio da pequena cidade de 38.000 habitantes, Visconde do Rio Branco-MG.

         Aqui mesmo, há pouco mais de um ano veio a ter desfecho com morte de um casal a fuga e perseguição desde a Bolívia, com passagem por Goiânia, São José dos Campos, Ponte Nova, Viçosa e, finalmente, a estrada da zona rural de Santana onde os corpos tombaram sem vida. Ela de Goiânia, onde a televisão noticiava minúcias da notícia que atribuía o fato a ligações com o tráfico internacional de drogas.

         Em 2006, a cidade recebeu a presença da Polícia Federal, no encalço de aliados de Juvenil Alves, na formação de quadrilha responsável pela Operação Castelhana.  A PF vasculhou empresas e caçou pessoas.  Os crimes, dentro da Operação, com ligações internacionais, foram atribuídos a evasão de divisas, peculato, estelionato, falsidade ideológica, blindagem de patrimônio de empresas. Aquela ação causou 1 bilhão de reais de prejuízo à Receita Federal,  conforme amplamente divulgado na época.

         Diante dos últimos acontecimentos, vêm à lembrança casos contados como coisa distante o assassinato de um pai pelo filho, e outro do filho assassinado pelo pai em uma das zonas rurais do município.  Todos ligados por ramos de parentesco.  Do mesmo modo, vão se juntando os  assaltos em casas lotéricas, agência de correio, a morte a golpes de ferro de um idoso e um punhado cenas violentas contadas no dia a dia, cada uma levada pouco a sério  por quem não tenha sido envolvido como vítima, e cai na banalidade. 

         Com toda certeza, o fator social é um dos ingredientes desse clima de delinquência. Mas não é único.  A formação da Quadrilha da Operação Castelhana nada tem a ver com gente em má situação social.  Pelo contrário, são privilegiados que talvez tenham acumulado fortunas nas práticas criminosas.

         No cerne da questão está a impunidade, de uns porque pertencem ao grupo dos intocáveis por deterem grande poder econômico, acumulado na cadeia de corrupção, diferente da cadeia de punição.   De outros por virem sendo protegidos desde a infância em seus delitos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA).  Quem  entrou cedo protegido no mundo do crime, aprendeu, gostou, sentiu-se poderoso e não sabe viver fora desse mundo.  Algumas esparrelas, algumas passagens nas celas de detenção servem para se especializarem, ganharem fama e “status” na “parada”.   Muitos desses, na cela recebem melhor alimentação do que em casa.  Então, para eles “tanto faz”.  

Assim, a ala baixa do Crime Organizado tem sempre sobra de mão de obra. E, de qualquer maneira, têm renda superior a um trabalhador, para eles considerado “otário”, que recebe no fim do mês R$ 622,00, que não dão para a quarta parte nas suas necessidades. Nesse contraste está a o motivo social. 

         Os criminosos do alto da pirâmide fazem parte dos acumuladores da riqueza que faz falta aos trabalhadores, que precisam do estímulo para poderem ter casa, comida, vestuário, educação, lazer, saúde, previdência em quantidade e qualidade suficientes para alimentar sua auto-estima, a cidadania, sem a angústia de serem forçados a aceitarem o pouco, como melhor do que nada. E sem a humilhação de serem chamados de otários quando rejeitam o convite dos marginais para participarem do seu grupo.

         Para quem via a formação de Máfias somente nas histórias de Al Capone ou da Cosa Nostra; ou  assistia aos filmes de propaganda dos Estados Unidos contra o Narcotráfico da Coreia, como estão fazendo agora sobre a Bolívia – para justificar a invasão da Amazônia,  é assustador ver cenas cruas em nossas ruas outrora tranquilas.

         Tudo teve começo por volta dos anos 70 do Século passado, quando a Ditadura Militar, a serviço do Império do Norte, estimulou a penetração da droga na juventude daquela época, com o fim de conter o ímpeto natural de uma geração indignada contra os abusos das torturas e do arbítrio.  Era o tempo do “Go home, yanques!”.  Aqueles jovens foram induzidos a mudar de direção o seu protesto.  Passaram a se posicionar contra os costumes, as famílias, o trabalho, as responsabilidades, a higiene.  Mudaram o conceito de “exploração do homem pelo homem”.  Prefiram participar dessa exploração, usufruindo aquilo que era fruto do trabalho de seu semelhante que eles, em contradição, chamavam de “caretas”.

         Os Ditadores usaram com os jovens o que era o enunciado de outro que eles combatiam: “Antonio Gramsci, que disse: "Não combata os tanques e nem atire nos soldados, CORROMPA AS MENTES"..

                Aqueles jovens estão com os cabelos brancos, ou carecas. E deixaram para trás outros jovens. Alguns recusaram seus exemplos, outros compõem o submundo deste cenário real de hoje, que não é filme, nem história em quadrinhos, ou ficção policial.  É o nosso tecido social, que bate à nossa porta com a repercussão do que parecia inusitado, ou entram sem pedir licença.  Muitos se auto proclamam  “donos do pedaço”.  Eles também se dividem em grupos rivais, nem sempre pacíficos. Às vezes trocam tiros que pegam os transeuntes de surpresa.

         O governo proibiu o porte de armas. E faz campanha pela entrega pacífica a troco de uma simbólica indenização.  Mas esqueceu-se de avisar aos grupos do Crime Organizado.

         De repente, qualquer um de nós poderá estar protagonizando uma dessas histórias, sem enredo prévio e sem ensaio. E muito menos sem ser convidado.  Não há efeitos especiais e é tudo ao vivo. 

         Cedo é que tudo começa.  Se não há escola continuada para os jovens carentes; se eles não podem ser corrigidos em seus erros, os criminosos adultos são um produto do estado e desta sociedade de prioridade para o ensino particular, em detrimento do público, que teria de estar ao alcance de todos em todos os níveis. 

         Sem as mudanças necessárias e urgentes, vamos continuar a ver a vida imitando a arte sem efeitos especiais.

         (Franklin Netto – viscondedoriobrancominasgerais@gmail.com)  
                     

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