terça-feira, 20 de novembro de 2012

EDUCAÇÃO - Sayonara(QUARAÍ-RS) - DESAFIOS DA INDISCIPLINA EM SALA DE AULA




(Pesquisa)


Ensinar e Aprender




Neste texto abordam-se alguns aspectos teóricos que fundamentam uma concepção de desenvolvimento humano, de forma clara e concisa. Os autores estabelecem também, a relação desta concepção com a aprendizagem, seus principais teóricos e suas implicações na prática escolar.

O desenvolvimento do Homem faz-se a partir das interações sociais. É nas nossas relações com o outro que nos desenvolvemos (objetos, meio ambiente, mas especialmente outras pessoas: pais, irmãos, professores).

Isto traz importantes conseqüências para a escola. Se a criança é capaz de aprender sozinha com sua própria experiência, ela aprende mais e melhor com os outros. Na escola isto quer dizer: com seu professor e com seus colegas.

O conhecimento sobre a aprendizagem - suas condições, seu papel no desenvolvimento - ajuda o professor a ensinar melhor.

Saber sobre a vida escolar do aluno, conhecer suas competências, suas referências socioculturais e paixões torna-se imprescindível para que o professor tenha sucesso na tarefa de levar o aluno aprender.






Celso dos S. Vasconcellos (1)
Os Desafios da Indisciplina em Sala de
Aula e na Escola
Introdução


É grande o desafio que os educadores têm encontrado em relação à indisciplina
em sala de aula e na escola, tanto na pública como na particular, todavia com
manifestações diversas(2). Sabemos também que não se trata de um problema
apenas brasileiro, apesar das peculiaridades encontradas aqui; temos relatos,
por exemplo, de gangues estudantis que têm batido nos professores na França,
do alto número de mortes nas escolas públicas americanas, fruto da violência,
das conseqüências nefastas da rígida disciplina japonesa, levando ao suicídio e
à falta de criatividade.
Esta questão tem ocupado um espaço cada vez maior do cotidiano escolar no
País. É grande também a insatisfação daí decorrente, chegando até a se
constituir em causa de abandono do magistério. Houve época em que a
1 Doutorando em Didática na USP, pós-graduado em Educação pela PUC/SP, filósofo e
pedagogo; responsável pelo Libertad- Centro de Formação e Assessoria Pedagógica.
2 Podemos ilustrar isto com o recente episódio do vídeo "educativo" da Disney World, para as
crianças brasileiras, que certamente não são as "carentes"... (Veja, 20 de novembro de 1996, p.
129).
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reclamação partia de professores da 5,1 ou 64 série; depois começou a vir dos
de 3a e 43, sendo que atualmente tem vindo até dos que lecionam na
Pré-escola... Gostaríamos de deixar claro que não estamos generalizando, mas
procurando apontar uma tendência, que é preocupante e precisa ser revertida.
A Queixa
A queixa dos professores em relação à indisciplina tem sido muito forte.
Podemos citar, a título de ilustração, alguns depoimentos:
“A falta de interesse está muito grande. Os
alunos estão dispersos, não respeitam mais o
professor, estão vivendo em outro mundo. A
tecnologia avançou demais e o professor
infelizmente não acompanhou, ficou
desinteressante para eles. Eles estão
acostumados a apertar botão de videogame,
de computador, a ver televisão e aí aparece o
professor com apagador e giz... O professor não
está conseguindo ter domínio, as aulas estão
muito no passado, muito antigas. Os meios de
comunicação ao invés de ajudar estão
atrapalhando: programas muito violentos. Não
está existindo liberdade com responsabilidade.
As crianças de hoje são mais espertas do que
antigamente. A família não tem colaborado; os
alunos vêm sem limites de casa. Geralmente há
até conivência dos pais: o professor nunca tem
razão. Há muitos problemas familiares. A
própria família não sabe o que fazer; a mãe
fala: “o que eu faço com ele? Vou matar?'. A
disciplina em sala de aula extrapola totalmente
e aí não tem jeito, só se bater e bater não pode.
Eu não sei o que fazer com a classe. Tem hora
que dá vontade de baterem todo mundo. Às
vezes, o professor é completamente. ignorado na
sala de aula; você entra e parece que não
entrou ninguém. Por que se dá tanta regalia
para os alunos e o professor é tão esfolado em
sala de aula? Como manter uma aula decente
se você não tem material pedagógico, não tem
condições de trabalho, não tem nada? Você vai
tentar punir o aluno, não pode porque a direção
não deixa, o
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Estado não permite, os pais não permitem... Há
também a indisciplina social. Há muita
impunidade na sociedade: as pessoas fazem
coisas e não acontece nada com elas. Falta
perspectiva ao jovem: não sabe para que
estudar. Aluno diz: “eu vou ser jogador de
futebol, não preciso de estudo'. trai ganhar
muito mais do que eu... As vezes, muitos de nós,
profissionais da área, ficamos desmotivados
pois o professor não ganha tão bem. O professor
também se desmotiva: Ah, para que eu vou
mudar? Para que fazer meu planejamento
assim? Ah, uso 0 do ano passado'. O que fazer
quando aluno desrespeita muito o professor e
depois diz assim: “não me amole que hoje eu já
fumei maconha'? Como explicar que a classe é
disciplinada com determinado professor e não é
com outro? É preciso ver a postura do professor,
o método que utiliza. Continuamos com métodos
elitistas e arcaicos. O que é para nós disciplina?
É a prática do silêncio?".
Podemos perceber alguns focos da queixa: o aluno, seu desinteresse,
decorrente da tecnologia a que tem acesso fora da escola; os meios de
comunicação, a sua influência negativa; a família, não cumprindo seu papel; a
escola, que não apóia o professor; a sociedade, sua (des)organização; e, depois
de um certo tempo, chega-se a colocarem questão a própria relação pedagógica.
Só por este breve levantamento, podemos ver como o problema da disciplina
está ligado a uma série de outras questões; não dá para falar de disciplina de
uma forma isolada em relação à realidade maior.
Complexidade
A questão da disciplina pede, para seu enfrentamento, a ajuda de um conjunto
de áreas do conhecimento, como a Sociologia, Antropologia, Psicanálise, Ética,
Política, Psicologia, Economia, História, Tecnologia, Comunicação Social, além
dos próprios saberes pedagógicos. Outro fato a ser considerado é que a
disciplina é apenas um aspecto do processo de educação escolar, que por sua
vez também é extremamente complexo e exigente, uma vez que se trata de
participar da formação, ao mesmo tempo, de trinta, quarenta ou mais sujeitos.
Que outra atividade humana apresenta tal nível de complexidade?
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O "único" problema do professor é que ele é um sujeito concreto - não é anjo,
um ser abstrato -, que trabalha com alunos também concretos, numa realidade
concreta; se não fosse isto, tirando a concretude do real, seria superfácil ser
professor, mas aí também não haveria necessidade de sua existência...
Temos uma clareza: ser "dador" de aula, "tomador" de conta de aluno é fácil,
mas ser professor, no seu sentido radical, não é fácil não. Por isto o professor
precisaria ser muito bem formado e muito valorizado.
O Papel da Reflexão (Limites e Possibilidades)
De certa forma, o professor "já sabe" o que deve fazer: em algum momento de
sua vida já ouviu falar ou vislumbrou uma possibilidade de como deveria agir.
No entanto, muitas vezes, não o faz. Por quê?
1) Não acredita mais profundamente, não está convencido:
• da proposta em si - não tem segurança de que seja o caminho correto;
• da eficácia da proposta - acha que talvez seja muito pouco em relação ao
tamanho do problema, que não vai resolver.
2) Não sabe como fazer; uma coisa é ter ouvido falar, outra é ter competência
para colocar aquilo em prática.
3) Não vê condições para fazer:
• seja efetivas (fruto de uma análise mais criteriosa da realidade);
• seja fruto de sua percepção, sem muita base no real.
O fazer do sujeito depende do querer e do poder, que se relacionam
dialeticamente, já que, por exemplo, o não ver possibilidade acaba diminuindo
0 desejo de fazer. O poder, por sua vez, tem uma base objetiva, que são as
condições mínimas para a ação; e uma base subjetiva, que é o saber fazer. Há
também aqui uma relação entre estas dimensões, uma vez que a base objetiva
pode ser alterada justamente pela ação consciente do homem, portanto
orientada pela base subjetiva.
Qual séria, então, o papel da reflexão?
1) Procurar resgatar o professor como sujeito, seu desejo, projeto, sentido,
querer.
2) Desmontar alguns mitos que funcionam como obstáculos
epistemológicos.
3) Apontar alguns caminhos, alternativas, que estejam ao seu alcance (não
algo
"estratosférico"), em termos tanto de processo, quanto de propostas de ação.
O problema da indisciplina está angustiando cada dia mais os educadores em
geral e os professores em particular. A grande pergunta que está na cabeça de
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todos é: o que fazer? Embora esta questão seja da maior importância e deva
ser respondida, entendemos que, antes, outras duas devem ser enfrentadas: o
que está acontecendo?; o que queremos? É comum ouvirmos o seguinte: "Já
sabemos bem qual é o problema, até porque o sofremos na pele. Queremos é
solução". No entanto, o que temos observado é que padecemos, mas não
compreendemos o problema; no trabalho científico costuma-se afirmar que
definir bem o problema é já ter 50% da solução...
I - Breve Análise da Realidade
O que está acontecendo? Como entender a questão da indisciplina escolar? O
que está por trás da manifestação do problema?
1 -Tentando compreender o que está acontecendo
Antes de mais nada, é preciso compreender que houve profundas mudanças na
escola, na sociedade e nas suas relações. Parece difícil aos educadores daremse
conta disto. O saudosismo ou o espírito de acusação estão muito fortes no
cotidiano da escola. Agredidos, procuram inconscientemente algum alvo onde
possam descarregar suas mágoas, suas incompreensões...
Sempre que pensamos em disciplina, logo nos vêm à mente as idéias de
limites (restrição, frustração, interdição, proibição etc.) e de objetivos
(finalidades, sentido para o limite colocado). A nosso ver, a crise da disciplina
escolar hoje está associada justamente à crise de objetivos e de limites que
estamos vivenciando.
Crise de Sentidos
Do ponto de vista dos objetivos, há uma crise geral de projetos, de sentidos
para as coisas, em nível tanto mundial quanto nacional, tanto institucional
quanto pessoal, tanto ideológico quanto sociopolítico-cultural. Há um
sentimento generalizado de "geléia geral", que se manifesta na desconfiança em
relação à razão, no "fim da história" e das utopias, no "salve-se quem puder",
no "procure curtir ao máximo a sua vida já" etc.
Na escola, esta crise se manifesta de muitas formas, mas com certeza uma das
mais difíceis de enfrentar é a absoluta falta de sentido para o estudo por parte
dos alunos. A pergunta "estudar para quê", nos parece, nunca esteve tão forte
na cabeça dos alunos como agora. A famosa resposta dada por séculos,
estudar para ser alguém na vida", chega a provocar risos nos alunos, ante a
clara constatação de inúmeras pessoas formadas, porém desempregadas ou
muito
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mal-remuneradas. Estamos vivendo a queda do mito da ascensão social
através da escola! Como entender isto? O esquema a seguir procura sintetizar
a mudança que ocorreu nos últimos anos:
Crescimento dos Diplomados
• Aumento efetivo do número de vagas
no 1 °- e 2° Graus na Escola Pública
• Aumento efetivo do número de vagas
no 3°- Grau na escola particular
Mais alunos formados Menos empregos
Resultado:
Mais alunos com diploma na mão e desempregados!
Este sentido extrínseco ao processo pedagógico foi a tábua de salvação de
muitos professores: os alunos não viam sentido no que estavam fazendo, mas
tinham em mente a perspectiva de uma recompensa mais tarde. Este era o
"projeto educativo" de milhares de educadores. Hoje, os alunos continuam não
vendo sentido nas práticas de sala de aula, e não vislumbram mais um futuro
promissor pela via do diploma. O professor que baseava sua autoridade neste
mito está perdido. E, o que é pior, não tem conseguido articular outro sentido
para o conhecimento, a escola, o estudo.
A escola ficou protegida de suas contradições internas por muito tempo em
função de sua relação de "parceria" com o mercado de trabalho. Esta motivação
extrínseca - já que não estava ancorada na própria relação pedagógica
-encobria e tornava "suportável" o que lá acontecia, tendo em vista o prémio
posterior ("Sofro agora, mas depois terei um bom emprego, serei alguém na
vida"). Estamos diante do autêntico problema, que não é absolutamente novo,
mas que agora-finalmente, nos parece-tem de ser enfrentado...
Esta situação em que vemos muitos professores alienados, fazendo o que lhes
mandam (“Tenho de cumprir o programa", “Tenho de dar tarefa, senão os pais
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Queda da Necessidade de
Mão de Obra Qualificada
- Concentração de renda
- Recessão
- Importação de tecnologia
- Robótica na indústria
- Informática nos serviços
reclamam" etc.), não deveria nos surpreender, pois é justamente isto que a
escola vai ensinando desde cedo aos seus alunos: obedecer sem questionar!
(e o professor foi aluno por muito tempo e para ter "sucesso" provavelmente
teve de se submeter às regras do jogo). No atual momento, quando os alunos
passai a se rebelar, alguns professores parecem meio indignados, traídos: "Ué,
podia fazer isto? Por que não fizemos no nosso tempo? Por que obedecemos
passivamente? Por que engolimos os “sapos'?". Parece haver uma sutil inveja d
professor em relação ao seu aluno, que agora contesta, questiona, busca o
sentido das coisas...
Este "estouro" do problema disciplinar na escola é, com certeza, um sinal, que
precisa ser decodificado, entendido.
Crise dos Limites
Ora, só esta ausência de projeto já seria suficiente para provocar um grande
estrago na sala de aula e na escola, afinal "para que me comportar se não vejo
sentido naquilo que estou fazendo?". Mas a este fator vêm-se acrescentar
outro: dois, um de ordem circunstancial e outro estrutural. De um lado, tudo
isto está acontecendo justamente no momento em que os professores estão
submetidos às mais desfavoráveis condições de trabalho dos últimos tempos:
má formação, salários miseráveis, número excessivo de alunos em sala, falta de
material didático apropriado, falta de espaço de trabalho coletivo constante na
escola etc De outro lado, temos a crise dos próprios limites, alimentada pela
necessidade de um mercado baseado na exacerbação do consumo.
Nesta perspectiva, a quebra de limites é fundamental para poder alimentar a
lógica do consumismo, e o grande alvo desta guerra é a criança, elo mais fraco
da corrente. Basta ver o número de propagandas dirigidas às crianças ou
mesmo usando crianças como chamariz, pois se descobriu que, além de seu
consumo direto, a criança hoje tem forte influência no consumo da família,
chegando a decidir desde o tipo de eletrodoméstico até a marca de carro a ser
comprado. Quebrar limites-especialmente da criança-tornou-se, pois,
fundamental. É um processo social de infantilização, onde é preciso satisfazer
rapidamente os desejos sob o fantasma da frustração e até mesmo do trauma".
O importante é viver bem o aqui e o agora -vejam a relação com a crise dos
objetivos -, desfrutar, fruir. Numa propaganda em Recife, era sugerida à
criança uma série d atos de protesto para o caso de os pais se recusarem a
levá-la ao shopping durante as férias (ex.: bater o pé, não comer, ligar para a
avó etc.). A que ponto chegamos... Alguns pais, perplexos, chegam a esboçar
justificativas diante da tirania dos filhos: "Veja como meu filhinho já tem
personalidade"...
Cremos que está suficientemente claro como a família também é vítima desta
processo: de centro de convivência e espaço de formação básica do ser humano
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transformou-se, na ótica da classe dirigente, em unidade de restabelecimento
de força de trabalho e de consumo. Impelidos, por um lado, para o trabalho em
função da queda progressiva dos salários e, por outro, massacrados pelos
meios de comunicação, os pais acabam caindo no círculo vicioso: desejo de
consumo -+ busca de recursos --> mais trabalho -+ menos tempo de
convivência com filhos --> culpa --> menos limites --> liberação para consumo
-+ mais necessidade de recursos...
Bem, a partir destas rápidas considerações, podemos ver o tamanho do
problema cujos reflexos estamos enfrentando na escola.
2 - Obstáculos epistemológicos
Quando analisamos a posição dos educadores em relação ao problema
disciplinar, encontramos certas representações mentais, incorporadas mais ou
menos fortemente, mais ou menos conscientemente, que podem funcionar
como "obstáculos epistemológicos" e, se não forem levadas em conta,
dificultarem muito a construção de novas perspectivas de ação dos educadores.
Vamos citar três que nos parecem muito presentes atualmente.
Espera da -Receita Mágica"
A situação anda tão difícil que muitos professores andam sonhando com
alguma "solução mágica". Isto chega até a ser expresso em tom de brincadeira
nos encontros, mas com tal freqüência que não pode ser considerado apenas
como caso isolado ou brincadeira.
O que significaria uma solução mágica? Basicamente, tratar-se-ia de algo feito
pelo outro e que daria resultado imediato. Ou seja, a questão da "receita
infalível" é problemática por colocar a solução fora do sujeito e por negar o
caráter processual de mudança da realidade.
De certa forma, podemos entender esta busca de solução mágica também como
reflexo de um não conseguir aceitar a situação tal como se coloca hoje. Para a
maioria dos professores está realmente muito difícil assimilar a mudança que
houve no seu status, nas suas condições de trabalho; neste sentido, a "mágica"
representa certa nostalgia, uma negação pura e simples da realidade.
Ideal izacão das Alternativas
Na busca de superação dos problemas, muitas vezes as alternativas
encontradas têm uma forte carga idealista, o que significa dizer que não levam
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em conta um conjunto de determinantes da realidade concreta. É claro que
toda proposta que vise à superação tem uma carga de negação em relação à
realidade atual - caso contrário, não seria superadora. A distorção do idealismo
é exacerbar as possibilidades em detrimento dos limites. Assim, por exemplo,
afirma-se que, para evitar indisciplina, a aula do professor deve ser
interessante.
Até aí estamos de acordo; a questão surge quando vamos aprofundar tal
proposta e vemos que se espera que o professor sozinho interesse a todos os
alunos, o tempo todo. Ora, isto seria o ideal; contudo, sabemos que dificilmente
ocorrem situações assim no cotidiano da escola. Se a proposta fosse colocada
em termos de se criar um clima hegemônico - e não de totalidade - de
interesse, com a participação também dos alunos - e não só do professor-,
considerando ainda que o estudo é um trabalho, o que demanda esforço,
concentração - e não só mera fruição -, estaria, nos parece, mais de acordo
com a realidade, sem perder seu caráter superador.
Outro exemplo: a questão da resolução dos problemas da escola através da
tecnologia. Há algum tempo, saiu uma reportagem na revista Veja sobre
questões de disciplina, onde, ao término, ficava-se com a nítida impressão de
que o computador era a grande saída. Alguns críticos chegaram mesmo a
levantar a hipótese de a reportagem ter sido "encomendada" pelas empresas de
informática, tendo em vista a intenção do Ministério da Educação de equipar
as escolas com computadores. No entanto, algum tempo depois, a própria
revista trouxe outra reportagem onde se colocava que as coisas não eram tão
simples assim, pois muitas escolas adotaram o computador e continuavam
com os mesmos problemas. É claro, pois a saída não é o computador em si;
não adianta colocar a tecnologia se não vier ligada a um projeto
político-pedagógico, que dará o sentido e a direção do uso da informática na
escola. Devemos estar muito atentos, especialmente na Escola Pública, pois,
em função de sua carência muito grande em termos materiais, podemos ficar
depositando nossa esperança em algumas soluções mágicas, como esta do
computador: "Ah, se tivéssemos computador"... Como sabemos que não é bem
assim? Basta ver o caso das escolas particulares que adotaram computador,
cujos alunos continuam entediados do mesmo jeito; eles têm quinze minutos
de êxtase com o novo CDpassado o efeito da novidade, cai-se no desinteresse
da mesma forma. Isto porque a "novidade" não vem articulada a um novo
projeto, a novas relações pedagógicas. Não estamos absolutamente dizendo que
o computador não é um bom recurso; muito pelo contrário. O que
questionamos é a visão ingénua de colocar a solução dos problemas educativos
na máquina.
Sensação de "Não-Poder"
A sensação de não-poder talvez seja hoje um dos maiores obstáculos
epistemológicos a serem enfrentados. É impressionante como o professor
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acabou assimilando a idéia de que não tem forças, de que não pode, de que a
solução dos problemas está fora dele.
Muitas vezes, sente-se desgastado, destruído, traído, usado, acusado,
desprezado, humilhado, explorado. Neste contexto, colocar a "culpa" fora dele
pode ser a saída inconsciente de autoproteção, não por ser relapso, mas sim
porque no fundo acha que não pode, não tem força para mudar. Quando
questionado sobre os problemas, vai logo apontando: "É a família", "É o
sistema". Ao fazer isto, esvazia sua competência profissional e existencial;
perde o senso crítico, pois não consegue se situar diante do real; perde a
autoridade, já que não é responsável por nada. Está marcado pelo impossível,
pelo não-poder. Freqüentemente, o colocado por ele como condição para iniciar
a caminhada é justamente o resultado de um processo de lutas e conquistas.
Nas reuniões pedagógicas, nos encontros de formação, quando perguntamos
aos professores sobre qual segmento(3) mais próximo poderiam atuar, é muito
comum ouvirmos: o aluno! Isto pode revelar até uma certa esquizofrenia, por
não conseguir se perceber, por perder o contato consigo mesmo. Vejam o ponto
a que chegamos: a anulação do poder do professor para enfrentar a realidade.
A situação em que o professor fica é profundamente ambígua: de um lado, está
justificado, pois "não é com ele", mas, de outro, está absolutamente
impotente...
De certa forma, este sentimento de impotência é aprendido no cotidiano social,
onde, num caldo cultural de colonialismo e paternalismo, parece que tudo só
pode ser resolvido pelos "grandes"; o cidadão comum nada pode. O professor
diante do problema disciplinar, achando que não pode fazer nada, parte para
outra atitude extrema: se livrar, expulsar o aluno (algo semelhante à pena de
morte no contexto social mais amplo).
Assume-se uma impotência na dimensão tanto cognitiva- incapacidade de fazer
aprender o aluno que apresenta dificuldade -, quanto social - incapacidade de
alterar a condição de origem do aluno pobre.
Este não-poder pode ser real (fruto de determinantes objetivos colocados
historicamente) ou imaginário (fruto de representações, mitos, preconceitos). É
claro que ambos nos preocupam; porém, enquanto o primeiro é pauta de luta,
o último acaba negando as potencialidades transformadoras dos sujeitos.
O enfrentamento deste obstáculo vai-nos remeter à questão: é possível
transformara realidade? Como?
3 Sociedade, Família, Escola, Professor ou Aluno.
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II - Resgate do Professor
A partir do exposto até aqui, fica claro que um dos maiores desafios é o resgate
do professor como sujeito de transformação: acreditar que pode, que tem um
papel a desempenhar muito importante, embora limitado. Acreditar na
possibilidade de mudança do outro, de si e da realidade.
O que fizeram conosco
Já de algumas décadas vem ocorrendo um processo de imbecilizarão, de
destruição do professor, que chegou até a atingir profundamente seu
autoconceito, sua auto-imagem, sua auto-estima. Isto é uma perversidade em
termos de País. As classes dominantes tiram vantagem desta situação em
termos imediatos - um povo sem educação e cultura é mais facilmente
manipulado -, mas é um suicídio coletivo a longo prazo. Estamos percebendo
alguns sinais claros disto: a questão da violência está emergindo com tanta
força, que assusta a todos, até os próprios dominantes. Por trás deste fato, há
também, com certeza, um trabalho educacional malfeito, seja no sentido da
negação da possibilidade do processo de humanização dos sujeitos, seja no
sentido da anulação do caráter transformador do conhecimento.
De onde vem o drama do professor? Em parte, da percepção de que está
incapacitado para dar conta de sua tarefa: o mundo mudou, o aluno mudou,
mudou a relação escola-sociedade e ele continua o mesmo... O que lhe foi
ensinado? Transmitir o conteúdo, cumprir o programa, controlar o
comportamento do aluno através da nota. Hoje, as exigências são outras! O
que dizer de um profissional da Educação que, muitas vezes, não sabe como se
dá o conhecimento, não domina o próprio sentido do que ensina, em alguns
casos mais extremos nem ao menos domina o próprio conteúdo que ministra
ou, quando domina, ensina baseado na mera transmissão? Isto é doído,
sabemos; todavia, com certeza, não será "tampando o sol com a
peneira"-querendo esconder nossas falhas e deficiências -que iremos resolver
os problemas. Insistimos que não se trata de um julgamento moral, como se o
professor fizesse isto porque quer, porque escolheu conscientemente ser um
mau profissional. Ele é vítima também de uma lógica desumana e excludente.
Mesmo quem saiu dos melhores centros de formação sabe que tem uma séria
defasagem na sua capacitação, até porque a educação escolar, como vimos, é
uma atividade de per si extremamente complexa, ainda mais a ser exercida nos
dias de hoje.
Quando olhamos a escola brasileira, o que está produzindo? Fracasso em cima
de fracasso: basta ver os elevadíssimos índices de reprovação e evasão escolar,
o baixíssimo grau de aprendizagem dos alunos que tiveram "sucesso" revelado
nas testagens nacionais e internacionais de conhecimentos mínimos. Esta
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sensação de fracasso começa nos próprios professores, por não terem
condições mínimas de trabalho. A negação da escola começa pela negação do
próprio professor. E isto não é à toa... Precisamos reconhecer sua delicada
situação; de certa forma, nunca se pediu tanto ao professor como se pede hoje
e ao mesmo tempo, nunca se deu tão pouco.
É necessário superar também este processo de infantilização: a falta de
autonomia do professor. Amiúde, decisões superiores são simplesmente
comunicadas aos professores, que assumem algo em que não vêem o menor
sentido. Se o professor não começar a exercitar um pouco a sua dignidade, a
sus cidadania, ter coragem de perguntar: por quê?, para quê? como?; se o
professor não reagir, vai continuar imbecilizando-se. Muitos livros didáticos
estão aí para isto também: quer coisa mais ofensiva que um livro do professor
com resposta? É um profundo desrespeito.
O que vamos fazer com o que fizeram conosco
A grande questão que, a nosso ver, precisa ser enfrentada com urgência e
verdade é: muito bem, estamos no buraco.
Como vamos sair desta?
Enquanto não tivermos coragem de enfrentar esta questão, superando os
escapismos e os sonhos de eventuais "salvadores da pátria", não veremos
muita possibilidade de mudança.
Para mudar a realidade, é preciso fazer uma opção muito clara; no entanto,
para não mudar, não é preciso fazer opção, uma vez que há uma lógica
montada no sentido da reprodução. É como o sujeito que vai até ao meio do rio
com uma bóia e diz: "Agora vou ser neutro: vou ficar parado; não vou nadar
nem em direção à nascente do rio, nem em direção à sua foz". Pergunta:
embora se tenha posicionado pela neutralidade, ficou parado? Em relação ao
rio, sim, porém em relação à margem, não; objetivamente está descendo,
embora não tenha optado conscientemente por isto... Há uma lógica em
andamento, não podemos ser ingênuos.
Poderíamos lembrar aqui aquela forte colocação de SARTRE:
“O importante não é tanto o que fizeram comigo,
mas o que faço com o que fizeram comigo.':
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É necessário resgatar o professor como sujeito de transformação. Não vai ser
mantendo-nos no estágio de heteronomia, onde não podemos pensar, onde
tudo vem pronto, que nos estaremos ajudando. Faz-se necessário sair um
pouco do "piloto automático", daquele mecanicismo, formalismo, que nos
colocaram e começar a exercer uma das funções básicas de qualquer pessoa,
de qualquer cidadão, contudo muito importante para o professor, que é a
função da reflexão. Refletir, buscar, comprometer-se.
Poderíamos lembrar aqui as reflexões de FOUCAULT sobre a questão do poder:
onde está o poder? Será que está apenas nos dirigentes, na mídia? Ou na
verdade, embora tenhamos focos fortes de poder, ele tem uma capilaridade,
está no dia-a-dia, nos vários agentes sociais? É preciso resgatar e redirecionar
estes micropoderes locais, tendo em vista um projeto novo, denunciando e
lutando contra o poder que se exerce como abuso:
"(...) todos aqueles que o reconhecem como
intolerável, podem começara luta onde se
encontram e a partir de sua atividade (ou
passividade) própria. "(FOUCAULT, 1981,
p.77).
Vamos lutar onde temos possibilidades concretas, ao mesmo tempo em que
buscamos a ampliação destas possibilidades. Seria importante lembrar que o
sistema" não funciona sem a mediação de agentes concretos, dos quais nós
fazemos parte, e que, por via de conseqüência, temos um poderem mãos, em
princípio limitado, mas real, e com possibilidade de ser ampliado de acordo
com nossa capacidade de articulação. Precisamos criar uma rede ética de
resistência a este processo de brutalização social que está instalado em nosso
país.
Acreditamos profundamente no professor; hoje ele pode ter um papel
revolucionário (ainda que correndo o risco, ao afirmarmos isto, de sermos
chamados de "jurássicos", de utópicos). Esta onda neoliberal, que está aí
quebrando todas as esperanças, tem muitos interesses não explicitados. O
professor lida sim com a esperança, com a utopia; isto faz parte da essência do
seu próprio trabalho.
Respeito e Exigência
A situação é delicada, pois o professor precisa ser compreendido, precisa de
"colo", mas ao mesmo tempo deve ser chamado às suas responsabilidades, ter
coragem de se rever, de assumir a parte que lhe cabe, se quiser superar esta
infantilização a que foi submetido. Um dos critérios para se definir uma
profissão é que os sujeitos que a abraçam possam ser responsabilizados pelo
seu exercício.
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O contexto está extremamente difícil, complexo. No entanto, não devemos ver o
professor através de uma representação lamentavelmente muito enraizada:
como um "coitadinho". Ele é um ser contraditório, como outro qualquer. Ao
levantarmos certas questões sobre a sua prática, corremos o risco de sermos
encarados como inimigos, como se estivéssemos contra ele: sente-se
culpabilizado pelo fracasso do aluno e da escola. É preciso, no entanto, falar
das responsabilidades e, neste campo, com certeza, o professor tem uma
parcela, ainda que absolutamente não exclusiva. É preciso falar de projeto, de
compromisso, de mudança da realidade. E aí, mais uma vez, o professor que
ainda não entregou os pontos tem uma importante contribuição a dar.
Responsabilidade
O restabelecimento dos objetivos e dos limites é tarefa de quem? Podemos ter
aqui mais uma grave fonte de desvios: o famoso jogo do "empurra-empurra".
Quando se chega a este momento de ver o que fazer, há uma tendência de ficar
esperando que o outro resolva o problema. Cada segmento tem suas queixas e
expectativas; se não forem devidamente explicitadas e debatidas, podemos ficar
"patinando", num desgastante processo de acusa-acusa, em vez de
ajuda-ajuda.
Só a título de exemplificação, é muito comum ouvirmos dos professores a
queixa de que os pais não estabelecem limites, não educam seus filhos com
princípios básicos como saber se comportar, respeitar os outros, saber esperar
sua vez etc., no que estão normalmente repletos de razão, já que muitas
famílias não estão objetivamente cumprindo sua função civilizatória básica. Por
outro lado, vemos também a queixa de pais que estão sendo chamados pela
escola para ouvir coisas do tipo: "Seu filho não está aprendendo; vocês
precisam fazer alguma coisa"..., como se a obrigação de ensinar fosse dos pais.
Para termos melhor idéia do que isto significa, pensemos no caso de a família
levar o filho a um médico e este, depois de examiná-lo, chamar os pais e dizer:
Ele está doente, precisa de alguém que entenda de saúde para poder
ajudá-lo"... Ora, quem é o profissional da Saúde, senão o médico? E, de forma
análoga, quem é o profissional do ensino, senão o professor? Sabemos que
estas afirmações podem causar espanto, mas é só para demonstrar o paradoxo
a que chegamos: a escola sendo solicitada a fazer aquilo que seria obrigação
dos pais, e os pais sendo solicitados a fazerem o que seria obrigação da
escola... Se alguém tem dúvida disto, basta ver como estão progredindo as
firmas de "aulas de reforço"... É óbvio que por este caminho de acusa-acusa
não iremos muito longe. Mesmo no interior da escola, este problema também
se manifesta na não menos famosa "síndrome de encaminhamentos do
aluno"...
Entendemos que o problema da disciplina é tarefa de todos: sociedade, família,
escola, professor e aluno. Todavia, não podemos ser ingênuos, pois, embora a
240
tarefa seja de todos, nem todos estão interessados em resolver o problema. O
que fazer diante disso? Cruzar os braços e esperar que o outro faça a parte
dele, para fazermos a nossa? Não. Até porque, se fizermos isso, nem teremos
moral para cobrar do outro. Que atitude ter, então? Uma atitude
transformadora, ou seja, começamos tentando fazer a nossa parte, somamos
com os aliados da luta e vamos, ao mesmo tempo, cobrando que o outro faça a
parte dele. É assim que estamos entendendo esse processo de mudança: que
cada segmento assuma suas responsabilidades específicas - que são
evidentemente diferentes - e exija que os outros também assumam suas
respectivas, enquanto todos se comprometem simultaneamente com a
mudança das estruturas que estão por trás do problema.
Sentimos necessidade de apontar para a mudança de enfoque: em vez de
culpa, é preciso falarmos de responsabilidade. A culpa, por ser de "fora para
dentro", leva ao julgamento e à atitude de defesa, de transferência, de procurar
jogar novamente para fora, buscando outro culpado; a preocupação maior
acaba ficando em achar o culpado e não em resolver o problema. A
responsabilidade, por ser algo mais de "dentro para fora", chama para a ação,
para o compromisso com a superação.
A sala de aula e a escola não estão desvinculadas da problemática do resto da
comunidade e da sociedade, porém têm sua autonomia relativa.
De imediato, eu não tenho condições de mudar as pessoas e/ou o mundo;
entretanto, de imediato, eu posso mudar a maneira de me relacionar com as
pessoas e com o mundo! Isto não é tudo, mas é um passo importante e de
minha responsabilidade!
III - Perspectivas de Ação
O que fazer? Voltamos agora à pergunta inicial, só que melhor equipados para
poder respondê-la. Antes, contudo, uma observação sobre a questão do
discurso e da prática.
Plasticidade do Discurso x Rigidez da Prática
Assusta muito esta coisa de como a escola não muda, ou muda muito
lentamente. O discurso educacional tem mudado com uma velocidade incrível,
mas a prática... Um dia fomos tradicionais, logo depois modernos e depois
tecnicistas, depois libertadores, e histórico-críticos, crítico-sociais do conteúdo,
construtivistas, socioconstrutivistas, pós-construtivistas, co-construtivistas,
interdisciplinares, transdisciplinares, qualidade total, holísticos etc. A cada dia
é uma novidade que chega. O que poderia representar um ganho, se fosse
241
apropriado dentro de um quadro de referência maior, com uma visão crítica
etc., acaba-se tornando mais uma moda... Esta incorporação no discurso é um
desafio, pois tira o eventual caráter transformador das idéias, já que não vem
acompanhada de uma ética, de um compromisso com a efetiva mudança da
realidade. Sabemos que, muitas vezes, isto pode até funcionar como estratégia
de sobrevivência dos professores, ante as exigências equivocadas das equipes
diretivas: a direção ou coordenação sai para fazer um cursinho de 40 horas e já
volta dizendo que "agora vamos seguir tal linha"...
Precisamos estar atentos a este maldito formalismo na Educação: "Ah, agora é
para fazer reunião pedagógica, ter projeto, fazer avaliação diagnóstica etc.?
Deixa com a gente". Está tudo resolvido formalmente, contudo a prática
continua como antes...
O questionamento que poderia ser proposto aqui é: será que precisamos de
uma nova relação de idéias sobre a realidade ou uma nova relação com as
idéias e com a realidade? Tomar algumas idéias, alguns princípios, acreditar, ir
fundo, tentar colocarem prática, refletir sobre os resultados, reformular etc.,
constituir uma autêntica práxis pedagógica.
Sentido e Exigências
A partir da análise feita anteriormente, fica patente que a tarefa de construir
uma nova disciplina passa pelo restabelecer o sentido para a escola, para o
estudo, bem como pelo restabelecer os limites. Só que aqui, em lugar de
falarmos simplesmente de limites, vamos falar de exigências, o que inclui os
limites, mas também as possibilidades, com freqüência esquecidas; isto é
importante para não cairmos numa disciplina meramente restritiva, do "não",
"não" e "não".
Muito sinteticamente, apontamos a seguir algumas possibilidades de os vários
agentes contribuírem para a construção de uma nova disciplina em sala de
aula e na escola.
1 - Resgate do Sentido
• Construir participativamente o projeto político-pedagógico da escola,
resgatando o sentido do estudo, do conhecimento.
• Ganhar clareza em relação à postura do educador: dialética direçãoparticipação.
• Ter convicção daquilo que vai ser ensinado.
• Resgatar a significação dos conteúdos.
• Realizar trabalho de conscientização com as famílias.
242
• Explicitar o sentido das normas existentes (e que neste momento não estão
em discussão).
• Superar o formalismo, a burocracia, a alienação das relações.
• Ajudar a fazer a leitura crítica dos meios de comunicação.
• Famílias ajudarem filhos a refletirem sobre sentido da existência.
• Buscar valorização efetiva da Educação e de seus profissionais.
• Comprometer-se com a construção de uma nova ética social.
Sentido para o Estudo
Entendemos que a questão do próprio sentido do trabalho pedagógico é a
contradição nuclear hoje na Educação. Se o professor não acredita, se não vê o
sentido do que faz, se diante daquela pergunta do aluno: "professor, estudar
para quê?", não consegue dar uma resposta, se o próprio professor não sabe o
que está fazendo ali, todo o resto, toda a elucubração sobre a necessidade de
limites fica comprometida. Porque, como vimos, o limite só tem sentido se for
articulado a um objetivo. Então, antes de saber para que estudar oração
subordinada substantiva, o aluno tem de saber para que estudar. Esse aspecto
é da maior importância. O próprio professor resgatar o sentido do trabalho.
Pensar sobre a sua prática. "O que é que estou fazendo aqui? Eu acredito no
que faço?" E ter coragem de tomar uma posição. Então, o primeiro ponto é o
resgate do sentido da tarefa educativa: compreender o conhecimento como
instrumento de transformação. Resgatar o sentido do conhecimento.
Conhecer para quê? Para poder compreender o mundo em que vivemos, para
poder usufruir dele, mas sobretudo para poder transformá-lo! Isto implica o
professor tanto se compreender como sujeito de transformação, quanto ter
clareza de que está participando da formação dos novos sujeitos de
transformação. A nosso ver, se não acreditamos na possibilidade de
transformação da realidade, não deveríamos estar no magistério, pois ser
professor é essencialmente acreditar na possibilidade desse vir-a-ser.
Há o perigo de, diante da falta de sentido, cairmos no jogo atual da competição:
estudar para ser o melhor, para passar na frente dos outros, para poder
garantir o seu lugar. Ao invés de caminharmos para a superação, reforçamos a
lógica de exclusão.
É preciso apontar para a possibilidade da escola como elemento de mudança
das relações sociais, de tal forma que se possa voltar a ter esperança de um
futuro melhor. Ou será que a escola nada pode diante de um "destino"
previamente traçado para o aluno e para a humanidade? É óbvio que não de
forma ingênua, como no passado, quando acreditávamos na escola como
"redentora da humanidade", desvinculada do resto da sociedade.
243
Com o avanço assustador das forças produtivas, através da recente revolução
da microeletrônica e da informática, que permitem a automação flexível,
estamos colocados diante de um desafio enorme: simplesmente recriar as
formas de organização do trabalho, as relações humanas, a cultura, uma vez
que as condições para reprodução material da vida estão dadas
potencialmente; todavia, ao mesmo tempo, estão aprisionadas num modelo
ultrapassado de organização social, gerando uma contradição fundamental.
Isto deve-nos remeter a solicitar o melhor de cada um e de todos nós: usar o
conhecimento, a criatividade para encontrar alternativas.
O professor- não o "dador" de aula - trabalha com a produção do sentido. Hoje,
diante do clima de perplexidade do mundo, as pessoas estão procurando
ansiosamente sentido para as coisas. É, portanto, o tempo por excelência do
autêntico conhecimento, do verdadeiro mestre e do estudo na sua perspectiva
radical.
2 - Resgate das Exigências
• Construção coletiva das normas da escola e da sala de aula.
• Resgate do autêntico diálogo, que não é nem o "sermãozinho" particular, nem
o "passar a mão na cabeça" como se nada tivesse acontecido.
• Trabalhar com sanções por reciprocidade, superando a punição autoritária,
bem como o clima de impunidade.
• Educadores (pais, professores etc): estabelecer e cumprir limites.
• Superar as normas equivocadas ou ultrapassadas.
• Desenvolver uma metodologia participativa em sala de aula.
• Entender o estudo como trabalho.
• Valorizar e incentivar as organizações estudantis.
• Compromisso do professor (dar o melhor de si, não faltar, etc.).
• Criar clima de respeito na escola.
• Conquistar e ocupar bem o espaço de trabalho coletivo constante na escola.
• Aluno assumir a responsabilidade coletiva pela aprendizagem.
• Aluno participar ativamente das aulas, expressar suas necessidades.
• Conquistar melhores condições de trabalho (salário digno, número de alunos
adequado em sala de aula, diminuição da burocracia, material didático,
instalações etc.).
• Família resolver os eventuais conflitos diretamente com a escola e não através
do filho.
• Buscar nova política para os meios de comunicação social.
• Lutar para superação do clima de impunidade na sociedade.
Não iremos aprofundar aqui estes desdobramentos operacionais, tendo em
vista
o fato de isto já ter sido feito em outro estudo nosso (VASCONCELOS, 1996).
Comentaremos a seguir apenas alguns aspectos.
244
Questão do Respeito
Muitos problemas de indisciplina têm origem na questão do desrespeito. Com
freqüência, a indisciplina é uma manifestação de coeficientes de poder não
adequadamente equacionados; só que nossos alunos não vão, evidentemente,
levantar a mão e argumentar: "Professor, gostaria de pôr em questão nossa
relação, tendo em vista a percepção de que entramos num processo de
reificação, onde minhas potencialidades ontológicas e epistemológicas estão
sendo subestimadas"... Eles não conseguem verbalizar isto de uma maneira
clara, mas vão manifestar de alguma forma que as coisas não vão bem, como
por exemplo: querer sair a todo o momento da sala de aula, ficar conversando
fora do assunto, não fazer as lições, agredir o colega ou o professor etc.
Diante da queixa da violência do aluno, precisaríamos refletir: quer violência
maior do que a negação da esperança, a negação de um futuro melhor a que o
aluno, especialmente das escolas públicas, está submetido? Se queremos
enfrentara questão da violência do aluno, com certeza o caminho não é usar
outra violência ou ser conivente com ela
Enquanto o desrespeito do aluno, normalmente, é explícito, o desrespeito do
professor é camuflado, é sutil. E esse desrespeito tem várias facetas. Uma delas
é o preconceito de classe. Na Escola Pública, às vezes, no fundo, o professor
não acredita naquele aluno simplesmente por sua condição social. Paulo
FREIRE diz que uma das coisas mais cruéis que o sistema nos ensina é
detestar o cheiro do pobre. Aprende-se a desconfiar do pobre, a detestar o
pobre. Isso é muito complicado. Na escola particular, este preconceito pode
ocorrer de forma diferente, porque os alunos pertencem a uma camada de
maior poder aquisitivo, sendo comum, inclusive, a tendência a tratar os
professores como mais um empregado de casa: "Eu estou pagando". É
necessário tentar superar, não deixar que o preconceito vicie a relação. Ao
contrário, temos de ganhar esses alunos, seja o menino da camada popular,
seja o menino da escola particular, já que estamos engajados num projeto de
transformação.
Relacionado ao preconceito anterior, aparece o preconceito quanto às
possibilidades do aluno; o professor olha para o aluno e pensa: " Ih, este acho
que não vai". É impressionante como isto está presente no cotidiano da escola.
Pesquisa feita por COLLARES e MOYSÉS (1996), na 1(a) série do 1o Grau,
revela que os professores "acertaram" a previsão de reprovação dos alunos,
feita logo no início das aulas, em 80% dos casos. A pergunta que fica é: será
que "acertaram" ou condenaram os alunos logo no começo do ano? O professor
acertou ou os alunos foram "acertados" pela previsão dele? Outras pesquisas já
mostraram isto: a expectativa do professor em relação a seus alunos é decisiva
em termos do sucesso ou fracasso que venham a obter. Ora, esta descrença é
uma profunda falta de respeito. Outra falta de respeito: as faltas constantes do
245
professor ou a falta de tolerância para com os erros dos alunos. Sabemos que
tudo isto é muito complicado porque é preciso considerar a situação concreta
do professor. É necessário criar um clima de respeito também em relação a ele.
Se o professor vem de uma seqüência de desrespeito, fica difícil manter um
relacionamento de respeito para com os alunos. Lembrando aquele velho
chavão "o professor deve vestir a camisa da escola", poderíamos completar
insistindo que a escola/mantenedores devem "vestir a pele do professor". Devese,
portanto, criar um clima de respeito em toda a escola.
Postura do Professor: Dialética da Interação Pedagógica
O que queremos? Para onde queremos ir? Com que tipo de disciplina
sonhamos? Diante do quadro caótico, corremos o risco de começar a desejar
uma disciplina passiva "como antigamente". Seria esta a saída? No pólo oposto,
podemos abrir mão de qualquer preocupação, procurando nos acostumar com
o que está aí, numa postura de "liberou geral".
Evidentemente, entendemos que o encaminhamento adequado não seria este.
O primeiro, por se constituir numa onda nostálgica, a-histórica, e o segundo,
por significar uma autêntica demissão pedagógica. Do ponto de vista das
tendências pedagógicas, o primeiro posicionamento estaria relacionado à
chamada educação tradicional, e o outro, à educação nova. O que é
relativamente difícil de entender aqui é que cada uma destas tendências tem
sua parcela de razão, tem um núcleo de bom senso, só que, por não abarcar a
totalidade do fenômeno educativo, acaba distorcendo-o.
Uma das maiores dificuldades que temos observado na busca de superação
destas concepções de disciplina é a forma de pensar linear, dicotômica, de
cunho metafísico, em contraposição a uma forma de pensar ligada ao
movimento, à contradição, à totalidade, de cunho dialético.
Diante do fato de se apontar a necessidade de direção por parte do professor
(contribuição da concepção tradicional) e de participação ativa por parte do
aluno (contribuição da concepção moderna), encontramos as seguintes
posturas, na perspectiva dicotômica:
• Optar por uma das partes em detrimento da outra: ou fica no pólo da direção
do professor ou (exclusivo) da espontaneidade do aluno.
• Optar pelas duas partes fazendo uma espécie de "revezamento": usa um
pouco uma, um pouco outra, numa autêntica justaposição de posturas; vai de
um pólo a outro por uma espécie de compensação ("curvatura da vara"): como
foi muito duro com o aluno, agora vai ser bem liberal para "equilibrar".
246
• Optar pelas duas partes, buscando fazer uma "média" entre elas: nem tanto a
direção do professor, nem tanto a iniciativa do aluno.
• Ficarem crise e não saber o que fazer: imobilizar-se diante da constatação da
existência das duas forças contraditórias na Educação.
Postura do Professor: Dialética da Interação Pedag
Ora, numa perspectiva dialética, o que se propõe não é nem optar por uma das
dimensões em detrimento da outra, nem fazer uma média ou revezamento, mas
manter a tensão dialética entre as duas, resolvendo esta tensão em cada
situação concreta, tendo em vista os objetivos da proposta pedagógica e a
realidade concreta dos alunos. Poderíamos aqui questionar o senso comum: a
virtude está no meio ou na mediação?
O drama metafísico é o drama shakespeariano: ser ou não ser, eis a questão. O
drama dialético é o seguinte: ser e não ser, eis a questão. A metafísica trabalha
com exclusão, enquanto a dialética trabalha com superação. A metafísica
dicotomiza, separa as coisas, enquanto a dialética percebe os opostos se
exigindo mutuamente. A nossa formação é muito metafísica. Ou é ou não é.
Nós podemos perceber como a realidade é e não é ao mesmo tempo. Ou seja, a
realidade é contraditória; nós somos contraditórios; o nosso aluno é
contraditório; o meu colega, o pai do meu aluno, a direção, a sociedade são
contraditórios e assim por diante.
E aqui vem, pois, uma questão muito séria: justamente essa capacidade de
articular as duas necessidades básicas do processo educativo. A educação,
para ser autêntica, precisa de direção, de orientação. Contudo, ao mesmo
tempo, precisa de liberdade e de espontaneidade. O desafio é esse: quando
estamos sendo 'porto seguro', temos de questionar: "Até que ponto não
deveríamos ser 'mar aberto', incentivar a participação do grupo?". Quando
estamos sendo "mar aberto", precisamos manter a tensão: "Até que ponto não
teríamos de ser "porto seguro", amarrar, sistematizar, intervir?". Manter essa
tensão interna é a arte do professor para enfrentar a questão da disciplina.
Gostaríamos muito de que houvesse uma receitazinha assim: 50 gramas de tal
e qual etc. Mas numa perspectiva dialética, não há. Ser dialético não é ficarem
cima do muro, nem é dar uma "dura" e dar uma "alisada". Manter sempre essa
tensão é o grande desafio de hoje, para que se possa administrar a disciplina
na sala de aula.
A disciplina consciente e interativa, portanto, pode ser entendida como o
processo de construção da auto-regulação do sujeito e/ou grupo, que se dá na
interação social e pela tensão dialética adaptação-transformação, tendo em
vista atingir conscientemente um objetivo.
247
Necessidade de Autoridade
Sem autoridade não se faz educação; o aluno precisa dela, seja para se
orientar, seja para poder opor-se (o conflito com a autoridade é normal,
especialmente no adolescente), no processo de constituição de sua
personalidade. O que se critica é o autoritarismo, que é a negação da
verdadeira autoridade, pois se baseia na coisificação, na domesticação do
outro.
Não existe autoridade "em si": a autoridade se define sempre em contextos
históricos concretos. Entendemos que um primeiro grande desafio para o
resgate da autoridade do professor é, como apontamos anteriormente, a
necessidade de ressignificar o espaço escolar, ganhar clareza sobre qual é de
fato o papel da escola hoje, porque será justamente neste espaço social que o
professor deverá exercer sua autoridade, que obviamente carecerá de sentido
se a própria instituição não conseguir justificar sua existência. Um segundo
desafio é o professor conseguir se refazer, se reconstruir depois deste turbilhão
todo a que foi - e ainda está - submetido.
Neste processo de resgate, o professor deve buscar a legitimação da autoridade
a partir do diálogo e da firmeza de proposta. Ter coragem de questionar seus
superiores, as normas e exigências colocadas, exercer sua cidadania. É preciso
que o professor supere o medo de exercer a autoridade; muitas vezes, isto
ocorre em função do medo de entrarem conflito com os alunos, da eventual
falta de apoio da escola diante de algum confronto com os pais ou ainda de ser
"problema" para a escola.
A autoridade pedagógica é uma prática complexa e contraditória, pois a
autêntica autoridade leva em si sua negação, qual seja, a construção da
autonomia do outro. Podemos compreender aqui autoridade no seu sentido
mais radical e transformador, que é "a capacidade de fazer o outro autor". Em
função disto, o professor deve viver esta eterna tensão entre a necessidade de
dirigir, orientar, decidir, limitar e a necessidade de abrir, possibilitar, deixar
correr, ouvir, acatar. Tal contradição é constante e não pode ser anulada,
apenas resolvida em diferentes momentos, tendo em vista os objetivos do
trabalho, sendo restabelecida logo em seguida em outro patamar e contexto. O
drama" é sempre este: ser o "porto seguro" e o "mar aberto". É preciso que fique
entendido, no entanto, que não se trata absolutamente de caminhar conforme
"os ventos sopram", de acordo com as pressões do ambiente. Ser dialético não é
isto; é agir de acordo com a necessidade do grupo naquele momento e tendo
em vista, com muita clareza, os objetivos que se buscam, para ter critérios de
orientação para a tomada de decisão.
248
Superar a “Sindrome de Emcaminhamento
É comum ouvirmos dos professores a queixa de que a disciplina por parte da
direção deveria ser mais rígida, mais severa. Isto revela o equívoco da postura
de "encaminhamento":
1. A transferência de responsabilidade (o professor não sabe o que fazerem
sala, encaminha aluno esperando solução "mágica"). 2. As diferentes visões
(ex.: encaminha-se o aluno esperando-se uma coisa e acontece outra). 3. Os
problemas de comunicação (ex.: encaminha-se o aluno e não se sabe o que
aconteceu com ele).
Por isto, seria importante não entrar na "síndrome de encaminhamento": de
que adianta o professor ficar encaminhando alunos "problemas" para a
orientação educacional, por exemplo, se o foco do conflito está em outro lugar?
Os conflitos entre alunos e professores devem ser enfrentados, antes de mais
nada, por eles próprios. Para isto, o professor deve ter condições de, por
exemplo, entabular uma conversa mais particular com algum aluno, se as
providências tomadas em sala de aula não foram suficientes para resolver o
problema. Se a escola não tiver outra possibilidade, no limite, consideramos ser
preferível, então, um membro da equipe ir para a sala de aula e o professor sair
com o aluno para ter o diálogo. Alguém poderia ir logo dizendo: "Ah, se eu for
fazer isto, vou ficar mais tempo fora do que dentro da sala". Isto aconteceria se
se deixasse o problema acumular; enfrentando logo no início, logo quando
surge, muito provavelmente não haverá tanta necessidade assim de sair da
sala. Isto é muito importante: enfrentar logo no começo. Muitos professores,
para "não perder tempo", acabam perdendo todo o tempo durante o ano, pois o
tempo que o professor utiliza com estratégias de sobrevivência, quando não
consegue equacionar adequadamente o problema da disciplina, chega a ser
mais de 50% do tempo útil de aula.
A questão não é, pois, ter uma equipe de especialistas de plantão para
encaminhar alunos (fonoaudiólogos, psicólogos, neurologistas, médicos,
assistentes sociais, orientadores educacionais, pedagogos, psicopedagogos
etc.), mas o professor ser formado, ser capacitado (até com a ajuda destes
profissionais) e ter condições mínimas para poder fazer melhor o seu trabalho.
Papel da Equipe Diretiva
Que postura devem ter os membros das equipes diretivas escolares
(coordenação pedagógica, orientação educacional, supervisão escolar direção
249
tc.)? Entendemos que basicamente é preciso criar um clima de confiança,
baseado numa ética e no autêntico diálogo. Por exemplo:
Construir participativamente uma linha comum de atuação. Um
dos pontos mais enfatizados pelos professores em escolas que estão
com problemas de disciplina é a falta desta linha comum: que todos
tenham a "mesma linguagem".
Ajudar a manter uma visão de totalidade do problema. Algumas
vezes, para fazer com que o professor assuma suas
responsabilidades, não se fala de todo o resto, apenas questionando
se ele já fez sua parte. É claro que isto vai provocar a sensação de
ser o "bode expiatório" ("É sempre culpa do professor"; "Cai tudo nas
costas do professor" etc.). Não deixar que se perca a visão de
conjunto.
Não designar alguém na escola só para cuidar da disciplina"; a
construção da disciplina é tarefa de todos.
Subsidiar, apoiar o professor para que possa ser o autor da ação
educativa, inclusive disciplinar; orientar, ajudar a formar o professor
para o diálogo com os alunos.
Resgatar o saber docente. Reconhecer que os professores
construíram um saber a partir de suas experiências. Só que
geralmente é um saber fragmentado e até contraditório. Daí a
importância de partilhar, fazer a crítica e sistematizar como cultura
pedagógica do grupo.
Confiar no grupo; superar o controle, a vigilância como se o
professor fosse irresponsável (ex.: ficar passando pelo corredor e
espiando a sala). Algo muito diferente ocorre quando, por exemplo,
há um acordo para que alguém da equipe assista à aula, para depois
refletir com o professor sobre sua prática. Apoiar as iniciativas de
mudança dos professores; isto é sinal de vida. Dar tempo para
colocarem prática e analisar. Não frustrar com rigorismo e medo do
erro.
Pesquisar mais a própria prática; ser capaz de levantar as
representações dos professores. No caso aqui, o que pensam a
respeito dos problemas de disciplina. Ter mais coragem de ouvir;
esta é uma coisa que dificulta o trabalho de direção ou coordenação:
os professores vêm com suas queixas; a equipe, com medo de que,
com aqueles problemas todos, ele desanime, já começa a tentar dar
explicações, justificativas, não os deixando falar até o fim. É preciso
confiar mais em nossa capacidade, em nossa proposta, na força do
próprio grupo e deixá-los falar tudo o que têm para falar, e só depois
disto começar a reconstruir coletivamente.
Ser "colo" quando necessário, mas também ser firme se a situação
assim o exigir.
Num primeiro momento, trabalhar com um grupo menor, que
esteja mais aberto, minimamente querendo, que revele uma base de
humanidade preservada. Criar base para um trabalho maior.
250
• Superar o formalismo; abrir espaços para que o professor possa atender os
alunos em suas necessidades, sejam de aprendizagem ou relacionamento.
• Apoiar o professor diante da comunidade. Os eventuais equívocos serão
tratados internamente. Saber enfrentar pressões equivocadas dos pais. É muito
desgastante quando o professor sente que seu trabalho não tem o respaldo da
equipe. Vejam, isto não significa conivência, acobertar erros, mas
profissionalismo, tratar as coisas na hora e local adequados.
• Favorecer clima ético; cortar "fofocas", "diz-que-diz-que".
Como vimos, os desafios a serem enfrentados são enormes. Se não
encontrarmos um clima favorável nem entre os companheiros de trabalho, fica
muito difícil manter o ânimo e a esperança de que as coisas podem de fato
mudar.
Conclusão
Como entender esta construção de uma nova disciplina na sala de aula e na
escola? Seria algo fácil, imediato? É evidente que não; é uma tarefa muito
difícil,
todavia importantíssima. Para enfrentá-la, é preciso ter uma visão de processo.
• É algo extremamente complexo. Muitos fatores interferem. Necessário se faz
atuar em todas as frentes. Nenhum fator em si, em princípio, é "decisivo". Há
que se analisar o caso concreto (ex.: classe com 15 alunos e terríveis problemas
de disciplina). Não desprezar nenhum fator, caso contrário vai acumulando
uma série de pequenos problemas que gera um muito maior.
• A mudança não vai ocorrer de uma vez; porém, é um processo, que se dá por
aproximações sucessivas: valorizar os passos pequenos, porém concretos e
coletivos na nova direção.
• Quanto mais participativo for este processo, maiores serão as possibilidades
de dar certo.
• É preciso partir da realidade concreta que temos; não adianta ficar
reclamando ou sonhando com outra. É esta a realidade, é este o ponto de
partida para a transformação.
Referências Bibliográficas
COLLARES, Cecília A. L., MOYSÉS, M. Aparecida A. Preconceitos no cotidiano
escolar: ensino e medicalização. São Paulo: Cortez, 1996.
ESTRELA, Maria Teresa. Relação pedagógica, disciplina e indisciplina na aula.
2.ed. Porto: Porto, 1994.
251
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 2.ed. Rio de Janeiro: Graal, 1981.
PERRENOUD, Philippe. Ofício de aluno e sentido do trabalho escolar. Porto:
Porto, 1995.
VASCONCELLOS, Celso S. Disciplina: construção da disciplina consciente e
interativa em sala de aula e na escola. 7.ed. São Paulo: Libertad, 1996.
. Para onde vai o professor: resgate do professor como sujeito de transformação.
3.ed. São Paulo: Libertad, 1996.
Disciplina consciente e interativa: notas introdutórias. Associação dos
Orientadores Educacionais do R. G. do Sul, 1996. mimeo.

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