sexta-feira, 30 de novembro de 2012

COLUNA DO PAULO TIMM(De Portugal) - Literatura brasileira: os 10 maiores poemas de todos os tempos


Compilação



Literatura brasileira: os 10 maiores poemas de todos os tempos
Posted: 27 Nov 2012 04:48 AM PST

Lista foi organizada por grupo de escritores, críticos, professores e jornalistas e reuniu 24 poesias mais citadas entre 40 indicações totais. Confira as 10 mais votadas


Cada poesia é única e provocada diferentes repercussões nas vidas e emoções das pessoas. Um mesmo poema pode, por exemplo, alegrar ou encher de melancolia a mesma pessoa em diferentes épocas da vida. Fica quase impossível, portanto, escolher quais são os melhores poemas de todos os tempos. Mesmo assim, um grupo de escritores, críticos, jornalistas e professores aceitou o desafio e escolheu os 10 maiores poemas de autores brasileiros de todos os tempos.
manuel bandeira poesia brasileira
Dois poemas de Manuel Bandeira (foto) integram lista. O ranking reuniu as 24 poesias mais citadas entre uma lista de 40 indicações.

O ranking, feito pela Revista Bula, reuniu as 24 poesias mais citadas entre uma lista de 40 indicações. Entre as escolhidas, abaixo você pode conferir as 10 mais votadas. Por medidas de direito autoral, algumas obras tiveram apenas trechos divulgados.


A Máquina do Mundo (Carlos Drummond de Andrade)


E como eu palmilhasse vagamente uma estrada de Minas, pedregosa, e no fecho da tarde um sino rouco se misturasse ao som de meus sapatos que era pausado e seco; e aves pairassem no céu de chumbo, e suas formas pretas lentamente se fossem diluindo na escuridão maior, vinda dos montes e de meu próprio ser desenganado, a máquina do mundo se entreabriu para quem de a romper já se esquivava e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta, sem emitir um som que fosse impuro nem um clarão maior que o tolerável pelas pupilas gastas na inspeção contínua e dolorosa do deserto, e pela mente exausta de mentar toda uma realidade que transcende a própria imagem sua debuxada no rosto do mistério, nos abismos.
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Abriu-se em calma pura, e convidando quantos sentidos e intuições restavam a quem de os ter usado os já perdera e nem desejaria recobrá-los, se em vão e para sempre repetimos os mesmos sem roteiro tristes périplos, convidando-os a todos, em coorte, a se aplicarem sobre o pasto inédito da natureza mítica das coisas. (Trecho de A Máquina do Mundo, de Carlos Drummond de Andrade)

Vou-me Embora pra Pasárgada (Manuel Bandeira)


Vou-me embora pra Pasárgada 
Lá sou amigo do rei 
Lá tenho a mulher que eu quero 
Na cama que escolhereiVou-me embora pra Pasárgada 

Vou-me embora pra Pasárgada 
Aqui eu não sou feliz 
Lá a existência é uma aventura 
De tal modo inconseqüente 
Que Joana a Louca de Espanha 
Rainha e falsa demente 
Vem a ser contraparente 
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica 
Andarei de bicicleta 
Montarei em burro brabo 
Subirei no pau-de-sebo 
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado 
Deito na beira do rio 
Mando chamar a mãe-d’água 
Pra me contar as histórias 
Que no tempo de eu menino 
Rosa vinha me contar 

Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo 
É outra civilização 
Tem um processo seguro 
De impedir a concepção 

Tem telefone automático 
Tem alcaloide à vontade 
Tem prostitutas bonitas 
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste 
Mas triste de não ter jeito 
Quando de noite me der 
Vontade de me matar — 
Lá sou amigo do rei — 

Terei a mulher que eu quero 
Na cama que escolherei 
Vou-me embora pra Pasárgada.

Poema Sujo (Ferreira Gullar)

turvo turvo a turva mão do sopro 
contra o muro escuro menos menos
menos que escuro 
menos que mole e duro 
menos que fosso e muro: 
menos que furo escuro 
mais que escuro: 
claro como água? como pluma? 
claro mais que claro claro: 
coisa alguma e tudo (ou quase) 
um bicho que o universo fabrica 
e vem sonhando desde as entranhas 
azul era o gato azul 
era o galo azul o cavalo azul 
teu cu tua gengiva igual a tua bocetinha 
que parecia sorrir entre as folhas de banana 
entre os cheiros de flor e bosta de porco 
aberta como uma boca do corpo 
(não como a tua boca de palavras) 
como uma entrada para eu não sabia 
tu não sabias fazer girar a vida 
com seu montão de estrelas 
e oceano entrando-nos em ti bela 
bela mais que bela mas como era o nome dela? 
Não era Helena nem Vera 
nem Nara nem Gabriela 
nem Tereza nem Maria 
Seu nome seu nome era… 
Perdeu-se na carne fria 
perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia 
(Trecho de Poema Sujo, de Ferreira Gullar).


Soneto da Fidelidade (Vinícius de Moraes)

De tudo, ao meu amor serei atento 
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto 
Que mesmo em face do maior encanto 
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento 
E em louvor hei de espalhar meu canto 
E rir meu riso e derramar meu pranto 
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure 
Quem sabe a morte, angústia de quem vive 
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive): 
Que não seja imortal, posto que é chama 
Mas que seja infinito enquanto dure.


Via Láctea (Olavo Bilac)

“Ora (direis) ouvir estrelas! 
Certo Perdeste o senso!” 
E eu vos direi, no entanto, 
Que, para ouvi-las, muita vez desperto 
E abro as janelas, pálido de espanto…
E conversamos toda a noite, enquanto 
A Via Láctea, como um pálio aberto, Cintila. 
E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, 
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: “Tresloucado amigo! 
Que conversas com elas? 
Que sentido 
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi: “Amai para entendê-las! 
Pois só quem ama pode ter ouvido 
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”


O Cão Sem Plumas (João Cabral de Melo Neto)

A cidade é passada pelo rio como uma rua é passada por um cachorro; uma fruta por uma espada.
O rio ora lembrava a língua mansa de um cão 
ora o ventre triste de um cão, 
ora o outro rio de aquoso pano 
sujo dos olhos de um cão.
Aquele rio era como um cão sem plumas. 
Nada sabia da chuva azul, da fonte cor-de-rosa, 
da água do copo de água, 
da água de cântaro, dos peixes de água, da brisa na água.
Sabia dos caranguejos de lodo e ferrugem.
Sabia da lama como de uma mucosa. 
Devia saber dos povos. 
Sabia seguramente da mulher febril que habita as ostras.
Aquele rio jamais se abre aos peixes, 
ao brilho, à inquietação de faca que há nos peixes. 
Jamais se abre em peixes.


Canção do Exílio (Gonçalves Dias)

Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; 
As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas, 
Nossas várzeas têm mais flores, 
Nossos bosques têm mais vida, 
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite, 
Mais prazer encontro eu lá; 
Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores, 
Que tais não encontro eu cá; 
Em cismar — sozinho, à noite — 
Mais prazer encontro eu lá; 
Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra, 
Sem que eu volte para lá; 
Sem que desfrute os primores 
Que não encontro por cá; 
Sem qu’inda aviste as palmeiras, 
Onde canta o Sabiá.


As Cismas do Destino (Augusto dos Anjos)

Recife. Ponte Buarque de Macedo. 
Eu, indo em direção à casa do Agra, 
Assombrado com a minha sombra magra, 
Pensava no Destino, e tinha medo!
Na austera abóbada alta o fósforo alvo 
Das estrelas luzia… 
O calçamento Sáxeo, de asfalto rijo, atro e vidrento, 
Copiava a polidez de um crânio calvo.
Lembro-me bem. A ponte era comprida, 
E a minha sombra enorme enchia a ponte, 
Como uma pele de rinoceronte 
Estendida por toda a minha vida!
A noite fecundava o ovo dos vícios 
Animais. Do carvão da treva imensa 
Caía um ar danado de doença 
Sobre a cara geral dos edifícios!
Tal uma horda feroz de cães famintos, 
Atravessando uma estação deserta, 
Uivava dentro do eu, com a boca aberta, 
A matilha espantada dos instintos!
Era como se, na alma da cidade, 
Profundamente lúbrica e revolta, 
Mostrando as carnes, uma besta solta 
Soltasse o berro da animalidade.
E aprofundando o raciocínio obscuro, 
Eu vi, então, à luz de áureos reflexos, 
O trabalho genésico dos sexos, 
Fazendo à noite os homens do Futuro. 
(Trecho de As Cismas do Destino, de Augusto dos Anjos).


As Pombas (Raimundo Correia)

Vai-se a primeira pomba despertada… 
Vai-se outra mais… mais outra… enfim dezenas 
De pombas vão-se dos pombais, apenas 
Raia sanguínea e fresca a madrugada.
E à tarde, quando a rígida nortada 
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas, 
Ruflando as asas, sacudindo as penas, 
Voltam todas em bando e em revoada.
Também dos corações onde abotoam, 
Os sonhos, um por um, céleres voam, 
Como voam as pombas dos pombais;
No azul da adolescência as asas soltam, 
Fogem… Mas aos pombais as pombas voltam, 
E eles aos corações não voltam mais.


Invenção de Orfeu (Jorge de Lima)

1. Um barão assinalado sem brasão, 
sem gume e fama cumpre apenas o seu fado: 
amar, louvar sua dama, dia e noite navegar, 
que é de aquém e de além-mar 
a ilha que busca e amor que ama.
Nobre apenas de memórias, 
vai lembrando de seus dias, 
dias que são as histórias, histórias 
que são porfias de passados e futuros, 
naufrágios e outros apuros, 
descobertas e alegrias.
Alegrias descobertas ou mesmo achadas, 
lá vão a todas as naus alertas de vaia mastreação, 
mastros que apoiam caminhos a países de outros vinhos. 
Está é a ébria embarcação.
Barão ébrio, mas barão, de manchas condecorado; 
entre o mar, o céu e o chão fala sem ser escutado 
a peixes, homens e aves, bocas e bicos, com chaves, 
e ele sem chaves na mão.
2. A ilha ninguém achou porque todos o sabíamos. 
Mesmo nos olhos havia uma clara geografia.
Mesmo nesse fim de mar qualquer ilha se encontrava, 
mesmo sem mar e sem fim, mesmo sem terra e sem mim.
Mesmo sem naus e sem rumos, 
mesmo sem vagas e areias, 
há sempre um copo de mar 
para um homem navegar.
Nem achada e nem não vista nem descrita
 nem viagem, há aventuras de partidas 
porém nunca acontecidas.
Chegados nunca chegamos 
eu e a ilha movediça. 

Móvel terra, céu incerto, 
mundo jamais descoberto.
Indícios de canibais, 
sinais de céu e sargaços, 
aqui um mundo escondido 
geme num búzio perdido.
Rosa-de-ventos na testa, 
maré rasa, aljofre, pérolas, 
domingos de pascoelas. 
E esse veleiro sem velas!
Afinal: ilha de praias. 
Quereis outros achamentos 
além dessas ventanias tão tristes, tão alegrias? 
(Trecho de Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima).
Fonte: Universia Brasil

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