quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Dificuldades de mostrar a eficácia da Ficha Limpa




A Lei veio quando os valores éticos e morais da classe política atingiam o cume do cinismo. As negociatas com o bem público, o superfaturamento de obras, de publicidade e demais serviços prestados por terceiros, a legislação em causa própria, o nepotismo, a admissão de servidores apadrinhados no lugar de concursados, a compra escancarada de votos penetravam na cultura popular como algo normal.

Apesar disto, o próprio povo reclamava das notícias de escândalos que envolviam parlamentares e membros de executivo, a partir do momento em que a grande imprensa divulgava. 

Os mesmos que admitiam até certo ponto clamavam contra, quando eram prejudicados principalmente na área da saúde. A doença não dá aviso prévio. E, quando vem, a falta de atendimento na hora certa pode causar perdas irreparáveis, além do sofrimento nas filas e nos corredores de hospitais.  

Mesmo assim, o grito de revolta só acontecia depois das imagens estarrecedoras no horário nobre da televisão.

Setores organizados da população trataram de elaborar o Projeto da Lei de Ficha Limpa, o mais correto possível. Mas o Projeto por si só não bastava. Teria que passar pela mesma classe política que é o objetivo maior dessa Lei. 

Somente foi aprovada diante do clamor público, porque os parlamentares tinham um olho nas suas vantagens e outro no eleitor que poderia mandar alguns para casa nas eleições seguintes. Foi aprovada quase na íntegra. O Senador Francisco Dorneles(PP) deu-lhe um arranhão com a mudança de tempo de verbo, interpretada como intenção de beneficiar colegas de partido, como Paulo Maluf(SP).

A sociedade desejava a vigência dessa Lei imediatamente, porque a senvergonhice transbordava os limites da tolerância.  Acabou não prevalecendo na eficácia imediata em 2010, pelo alegado princípio da anuidade(Uma lei eleitoral só pode vigorar no ano seguinte ao de sua aprovação). 

Entre o anseio popular, o espírito da Lei e a questão técnica, o Supremo Tribunal Federal(STF) ficou dividido: 5 votos contra e 5 a favor de sua vigência imediata.  Voto de Minerva do ministro Luiz Fux desapontou especialistas ao endossar o voto do relator Gilmar Mendes. 

O professor de Ética e Filosofia Antonio Valverde entendeu que Fux "decepcionou", e o Supremo Tribunal Federal (STF) passou ao país uma mensagem de "falso legalismo", deixando dúvida se a lei seja cumprida mesmo em 2012.

Alguns políticos estariam inelegíveis por improbidade administrativa em razão de rejeição de contas pelos tribunais de contas(do Estado ou da União). Os motivos das rejeições vão desde licitações fraudulentas até nomeações de funcionários “protegidos” nas vagas que deveriam ser preenchidas por concursados aprovados e disponíveis.

Na defesa de interesses próprios, os legisladores alegam que as inelegibilidades somente podem valer depois de julgamento por colegiado de juízes. Isto leva a polêmica às calendas gregas.  Depois disto, vão arguir o princípio da presunção de inocência para arrastar processos até o veredito de última instância(o próprio STF), esgotadas as brechas para recursos.

Com a sonolência da Justiça, quando um processo chegar ao fim, os fichas sujas terão terminado seus mandatos ilegítimos e feito suas fortunas ilícitas como de costume, e em condições de pagarem os melhores advogados que não têm pejo em observar se seus honorários vêm de lavagem de dinheiro ou não.

Se observarmos que o recebedor de dinheiro ilícito comete o crime de receptação, iniciaremos outro ciclo mafioso de uma história sem fim....

Aqui em Visconde do Rio Banco, como em todo o Brasil, as eleições para prefeito e vereadores giram no meio de um lodaçal, onde quanto mais se mexe, mais exala os odores de vícios passados, incrustados no cerne do tecido político, de maneira intrínseca, irremovível pela força do hábito repetido, consolidado que a impunidade consagrou. 

Cabe ao povo, em cada eleição, ser agente do processo, na vigilância permanente dos atores desse teatro “impróprio para menores”.  E procurar reciclar, dentro das oportunidades oferecidas, optar pelo “menos ruim”, ou “menos pior”, como preferem alguns. 

É comum as atenções se voltarem somente para os candidatos a prefeito. Ledo engano. Da mesma forma, o povo tem que agir na composição do poder legislativo, a Câmara de Vereadores. Tem que passar um “pente fino” na composição do grupo e na avaliação individual. É muito importante saber o que gasta aquela casa, como gasta, com quem, para que fins; saber sobre o quadro de servidores, assessores, quantos para cada parlamentar.  Analisar se justificam.  Verificar o “corporativismo”.  Saber quem atua a favor de causas justas e sãs. Em cada Câmara há que separar o “joio do trigo”, para evitar injustiças. Uns merecem continuar. Outros precisam ser substituídos.

No Município, as despesas dos poderes refletem imediatamente nos impostos e tarifas públicas. Para maior clareza: no IPTU, nas taxas sobre qualquer serviço, nos alvarás de construção, nos de funcionamento de qualquer pequena empresa(bares, botecos, oficinas, lojas etc.).

Por isto, o “analfabeto político” não sabe que ele é responsável por todas as causas de onde “nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais”, conforme a indignação de Bertold Brecht.

(Franklin Netto – viscondedoriobrancominasgerais@gmail.com)

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