terça-feira, 4 de setembro de 2012

COLUNA DO PAULO TIMM(Torres-RS) - ANO BRASIL PORTUGAL 2012/2013





ANO BRASIL PORTUGAL 2012/2013

Paulo Timm / Covilhã-Portugal 28ago2012

“Minha pátria é minha língua”
Fernando Pessoa


Da minha língua vê-se o mar”
           Vergílio Ferreira

VIDEO – PORTUGAL – BELEZA DA SIMPLICIDADE - http://www.youtube.com/watch?v=m34Wv-2yjQo&feature=player_embedded


Enfim, no ar, a Programação do Ano Brasil-Portugal 2012/13: Um conjunto de atividades em vários domínios das artes, segmentos da economia e encontros culturais em ambos os países, com vistas a se tornarem cada vez mais conhecidos.
“O Ano Brasil-Portugal é a sequência de uma série de celebrações do Brasil com países diretamente ligados à sua história, seja como colonizador, no caso do irmão lusitano, ou como imigrantes que aqui se instalaram e criaram raízes definitivas, caso do ano Brasil-Itália e ano do Brasil na França.”
Ano Brasil-Portugal - http://www.cultura.gov.br/site/2012/08/16/ano-brasil-portugal/
Para ambos os Governos, no dizer de Miguel Horta e Costa, como Comissário Geral do Ano Portugal no Brasil e  de Antonio Grassi, Presidente da FUNARTE , coordenador da parte brasileira - http://www.cultura.gov.br/site/2012/08/16/ano-brasil-portugal/ , esta programação é apenas um esboço do que se pretende realizar. Um apelo está sendo feito a todos os possíveis formuladores de projetos para que os apresentem às autoridades responsáveis, com vistas a ampliar a Programação.
“Este espectro de eventos deverá
desenvolver-se ao longo de todas as regiões do Brasil, com presença directa em múltiplas
Cidades e cobertura mediática de alcance nacional.
Em segundo lugar, a arquitectura do nosso programa é aberta à contribuição da Sociedade Civil.
Este programa apenas poderá ter o sucesso desejado se forem desenvolvidos mecanismos
eficazes de integração da Sociedade Civil na sua construção. Esta abertura à contribuição de
terceiros é igualmente um pilar fundamental da nossa estratégia, seja pela possível inclusão de
eventos já planeados por outras entidades, seja pela possibilidade de angariação permanente de
ideias, propostas e candidaturas a novos eventos através do nosso website-

(Apresentação de Miguel Horta e Costa, Comissário-Geral do Ano de Portugal no Brasil - www.anodeportugalnobrasil.pt. )
)

Da parte do Brasil, a FUNARTE informa que há duas formas de participar do Ano Brasil Portugal, ambas formalizadas em dois  Editais disponíveis aqui,  aos interessados. Informações adicionais  ou dúvidas devem ser encaminhadas por meio do Fale com o Ministério ou  dirigidas a  Ouvidoria.
Uma delas é através do concurso de   72 atrações musicais para compor a programação do Espaço Brasil, de janeiro a junho de 2013, em Portugal. Cada uma das atrações escolhidas  receberá R$ 10 mil .  
“O concurso é uma realização do Ano Brasil-Portugal e o seu objetivo é garantir a representação da música brasileira, que se caracteriza pela diversidade e inventividade.
O material de inscrição deverá ser postado pelos Correios (via Sedex), em envelope único, para: Edital de Música Ano do Brasil em Portugal - Rua João Afonso, 65 / casa 3 Humaitá – Rio de janeiro – RJ – CEP 22261-044.”
(Ano Brasil-Portugal- http://www.cultura.gov.br/site/2012/08/16/ano-brasil-portugal/)
A outra , será através de “iniciativas independentes” , nas quais . poderão participar produtores culturais, associações, cooperativas, empresas com ou sem fins lucrativos, órgãos públicos e fundações privadas da área cultural, que receberão uma chancela oficial do Evento.
.A cerimônia de abertura conjunta do Ano de Portugal no Brasil e o Ano do Brasil em Portugal,  será no dia 7 de setembro e se estenderá até 10 de junho de 2013, Data Nacional de Portugal. Espera-se a presença da famosa fadista portuguesa  Mariza - Mariza and the Story of Fado | Facebook,  num espetáculo conjunto com Roberta de Sá, acompanhadas pela Orquestra Sinfônica de Brasília. A mesma Mariza, com Milton Nascimento se apresentará, novamente, no  Teatro Municipal do Rio de Janeiro, no dia 12 de setembro, evidenciando a importância que o Governo de Portugal dará ao Fado como um de seus mais valiosos Patrimônios Culturais.

A inauguração oficial  do Ano de Portugal, porém ,  só ocorrerá no dia 9 de setembro,  em Belo Horizonte, com a assinatura de  um Protocolo entre os dois Governos.

Até aqui, enfim, as informações sobre o Ano Brasil Portugal. Agora, a crítica...Até porque, além de brasileiro, Pereira por herança do avô materno, resido em Portugal. Sinto na pele as pulsações entre nossos países. E não consigo, andando pelos meandros do Chiado, em Lisboa, viajando pelo interior, morando numa cidade pequena, quase desconhecida dos brasileiros, ao nordeste, deixar de viver, diuturnamente, nossas semelhanças e diferenças. Tudo tão igual... Tudo tão diferente...Portugal, renascentista; o Brasil, hiper-moderno. Entre ambos um fio de esperança...

De comum, uma certa apatia frente à coisa pública, nos dois países submetida à crítica ácida, mais bem humorada no Brasil,  enquanto aqui, cruelmente retratada pela literatura, desde os clássicos de Eça de Queiros.
Como diferença, o estado de espírito, sensual   no Brasil,  aqui intensamente épico,  ambos, porém, portadores de uma tristeza enigmática. A portuguesa, recolhida do grande Mar Oceano; no Brasil,  cultivada  sertão adentro, como revelam, de um lado,   uma das trovas mais belas da língua portuguesa, de autoria de um poeta pouco conhecido, Antonio Correia de Oliveira  (I), de outro ,  o poema de Drummond (II):

I
Oh águas do mar salgadas
De onde lhes vem tanto sal
Vem das lágrimas choradas
Nas praias de Portugal

                                                         II
Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar...Um homem vai devagar
um cachorro vai devagar
um burro vai devagar
devagar... as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus!

No plano histórico , uma questão incontornável. Como outros países europeus, Portugal foi uma Potência Colonial e os monumentos aos heróis que “tombaram em defesa da pátria”, abundam. Nós, ex- colônias, temos outra visão deste processo, até hoje mal digerido em toda a Europa.Como encaminhar um entendimento comum sobre a Questão Colonial?

Apesar, pois,  do Ano Brasil Portugal  incorporar-se, como afirma Antonio Grassi, Presidente da FUNARTE e responsável , pelo lado brasileiro, da montagem da programação,  à  “sequência de uma série de celebrações do Brasil com países diretamente ligados à sua história”, o caso de Portugal estaria a exigir uma melhor conceituação do evento. Mas inteligência não é uma matéria prima muito cultuada no Ministério que lhe sugere o nome...

Portugal ocupa um lugar ímpar na nossa formação. Temos 300 anos de uma História comum, que se prolongou, na figura de nosso D.Pedro I como Rei de Portugal depois de sua vitória “liberal” sobre as forças conservadoras de Dom Miguel. E compartilhamos a  mesma literatura, mercê da língua comum. Ora, o que há de mais importante na história da civilização do que a língua? Sobre ela, aliás,  estamos a tratar de consolidar o Novo Acordo Ortográfico, ainda com áreas de resistência nos dois lados do Atlântico. Deveríamos, pois, ter dado uma maior ênfase, durante o Ano Brasil-Portugal, à literatura. Mas isto não está ocorrendo. O ponto de partida e de provável encerramento está marcado pelos espetáculos musicais, importantes, mas que mais nos separam do que nos  aproximam. Portugal lamenta o passado heróico; o Brasil festeja o futuro incerto... A língua nem aproxima, nos une. Somos uma mesma fraternidade luso-fônica, avaliada, hoje, como de considerável peso numérico e grande distribuição pelos vários continentes, como das mais importantes do mundo. De resto, continuamos, com a ênfase na música, coniventes com a sociedade do espetáculo, quando esta já dispõe, pela indústria cultural mecanismos próprios de afirmação e divulgação. E, neste sendeiro, não faltará, por certo, um “amistoso” entre as duas grandes seleções de futebol...

A partir da ênfase na literatura poderíamos aproveitar o Ano Brasil Portugal para aprofundar nossas relações recíprocas. Podíamos conhecer melhor a obra de uma Deolinda Gersão, autora do romance A Árvore das Palavras [resenha | comprar], vencedor do Prêmio de Ficção do PEN Clube português. E eles poderiam conhecer melhor nosso grande poeta mineiro  Anderson Braga Horta, autor de Fragmentos da Paixão, uma verdadeira obra prima poética. Tendo vivido muitos anos no Chile, como algum tempo nos Estados Unidos, vejo como estes países cultivam relações especiais com suas respectivas “Mães Pátrias”: Espanha e Inglaterra . Como há um sentimento profundo de orgulho na  comunhão do mesmo idioma!  Brasil e Portugal, ao contrário, parecem afastar-se cada vez mais. Apesar disto, não há animosidade entre as duas comunidades. Cá, somos tratados, em todas as partes com carinho, sendo freqüente, à percepção de nossa origem brasileira, o alinhavo de uma história de família : “Meu irmão mora há 30 anos no Rio”; “meu filho foi há dois anos para São Paulo”; “Ah, o Brasil, ainda quero conhecer ...!!!”. E aí no Brasil, sempre tomamos os portugas como parentes longínquos.

Este distanciamento entre Brasil e Portugal, penso, é mais de tipo institucional do que sentimental, embora as novas gerações portuguesas  já se sintam europeizadas e um pouco distantes do Brasil. Aliás, a presença ostensiva, aqui,  de “retornados”, que são os portugueses que até recentemente viviam em Angola , Moçambique, Guiné , Cabo Verde etc  dá a África uma presença maior do que a da América do Sul. Tempo, portanto, de recuperar espaços e entrelaçar experiências culturais.

O século XIX nos distanciou em virtude do processo de Independência, sempre traumático. Havia ressentimentos dos dois lados. Tivemos, talvez, um interregno de grande aproximação cultural e política entre os últimos lustros daquele século e os primeiros do posterior. Anos de grandes luzes na literatura dos dois países.  Mas aí sobreveio a hesitação de Portugal diante na II Guerra Mundial, seguido da longa ditadura salazarista, com sua obstinada política colonizadora, ambas fatores de reticências diplomáticas da parte do Brasil. De novo o distanciamento, intercalado, apenas pela mão única do exílio de milhares de portugueses no Brasil, uns ilustrados, como Conceição Tavares, decana octogenária dos economistas brasileiros, outros, a grande maioria, oriunda do norte de Portugal, com baixa escolaridade e premida pela fome e desemprego .


  •                                
A Revolução dos Cravos, em 1974, seguida do processo de emancipação das antigas colônias, parte de seu ideário DDD (Democracia, Descolonização, Desenvolvimento)  francamente apoiadas pelo Itamaraty, parecia dar um novo alento às nossas relações. Até porque, neste mesmo ano de 1974,  se abria o regime militar, no Brasil, para um processo de abertura que desembocaria na Constituinte de 1988. E isto, aliás, ocorreu de fato. O final  década de 70 foi marcado por inúmeras iniciativas de reaproximação ente os dois países. Fui testemunha, como signatário da Carta de Lisboa, que marcou o retorno de Leonel Brizola à vida política, em 1979, desta aproximação, graças à amplitude de horizontes do líder socialista Mário Soares. Sentíamos, “Sob o céu de Lisboa”, a proteção e apoio fraterno à abertura política no Brasil. Este terá sido, talvez, um momento, entre 1975 e 1990, verdadeiramente  pungente  no entrelaçamento de  nossas relações institucionais e  culturais. Políticos, artistas e intelectuais dos dois países freqüentavam-se com grande desenvoltura.

Mas aí emergiram  duas coisas que nos viriam a distanciar de novo: (1) Participação de Portugal na nascente  União Europeia; (2) Política Externa do Governo FHC. Não vou me aprofundar sobre  tais fatos, apenas salientar que Portugal se volta crescentemente para a União Europeia na tentativa de se alinhar aos parâmetros da modernidade continental, fato consumado em 1992 e 1997 com a adaptação da Constituição de Portugal aos Tratados da União Europeia assinados em Maastricht e em Amsterdã. Ao mesmo tempo  o Brasil, com Fernando  Collor, mas sobretudo nos longos anos de FHC começa a se rejubilar pela entrada no Bloco dos emergentes, mais preocupado com o assento entre  as grandes potências mundiais do que com Portugal e o Terceiro Mundo.

Hoje, porém, a Crise Econômica nos reaproxima. Ou melhor, pode nos reaproximar, desde que  nossos líderes sejam capazes de se entreolhar pelas frestas dos interesses comuns, na busca de programas conjuntos de cooperação para o desenvolvimento. A Europa é tanto um manancial de inspirações civilizatórias, quanto um considerável mercado de 500 milhões de consumidores. O Brasil, o líder de um vasto continente com uma considerável constelação de recursos naturais e razoável estabilidade política. Só para se ter uma idéia: Portugal, mercê da crise e desemprego, exporta, hoje, cerca de 70 mil jovens ao ano, supereducados, numa população estabilizada de 13 milhões de habitantes. A continuar esta sangria o país terá perdido  em vinte anos 10% do melhor de sua gente. Sempre ao mar... sempre ao incerto, realimentando a nostalgia mítica deste povo.  Isto não pode continuar. Tem que ser revertido. E o Brasil pode contribuir de forma decisiva neste processo. Um só programa de Turismo bem direcionado para Portugal, com apoio do Governo Brasileiro, teria conseqüências inusitadas neste processo.

Outro ponto crítico do Ano Brasil Portugal: Ausência total dos dois Estados mais próximos, em termos históricos de Portugal: Rio Grande do Sul e Santa Catarina, as duas últimas porções do Império Português na América do Sul.
O primeiro, tendo como   capital , Porto Alegre, cujo primeiro  nome foi  Porto dos Casais, em homenagem aos  de 60 casais açorianos lá chegados, em 1776,  como garantia de controle territorial de Portugal; o segundo, por semelhantes razões, fartamente estudadas - http://amigonerd.net/trabalho/45444-povoadores-de-fronteira .
Por que firmar o Protocolo do Ano Brasil Portugal em Belo Horizonte? Como não dar a um dos Estados sulinos maior relevo simbólico e efetivo nesta programação?
Imperdoável. Embora se compreenda: Trata-se do verdadeiro monopólio que Rio e S.Paulo exercem sobre os mass media no país, com os conseqüentes resultados no domínio da indústria cultural destes Estados sobre os demais. Até parece que  o pensar é  uma exclusividade  do centro do país, ao qual o resto  se curva como mera audiência,  nos comentários  de televisão, nos grandes espetáculos, no movimento editorial.  Minas Gerais é a exceção. Que se explica, em grande parte, pela proximidade com o eixo Rio/ S.Paulo, mas também por um fato reconhecido por vários analistas da administração pública no Brasil: Tem a melhor estrutura administrativa de Governo entre os Estados. Apenas um exemplo: Na década de 70 o Estado de Minas já dispunha de claro diagnóstico de fatores restritivas de seu desenvolvimento – O “Diagnóstico da Economia Mineira” - , o qual deu origem, dentre outros, à criação de um órgão de promoção de investimentos, o INDI, responsável pela primeiro deslocamento da industria automobilística no território nacional no rumo de Betim. Nascia a FIAT do Brasil.
Mas enfim, mesmo compreendendo as dificuldades para uma inserção mais dinâmica do Rio Grande do Sul no ANO BRASIL PORTUGAL 2012-2013, nada nos impede de espernear. É o famoso jus esperneandi. Quem sabe, assim,  “alguém...”  se toca...E aproveito para  render uma pequena homenagem a um grupo de estudiosos, que, em Gramado se dedicam denodadamente ao estudo da colonização açoriana no Brasil:   O Centro Luso Açoriano da Região das Hortênsias , com preciosas informações nos sites www.arquivohugodaros.org.br e www.gramadosite.com.br/cultura/mariliadaros .

Nenhum comentário:

Postar um comentário