sexta-feira, 20 de julho de 2012

O dia que estourou a bolha dos celulares

sexta-feira, 20 de julho de 2012

 Pedro Porfírio

Já não há mais como encobrir o golpe das vendas em massa sem suporte para cobertura e atendimento

Bem que eu disse. O tão decantado mercado da telefonia celular fez água, entrou em pane e a bolha estourou. Não se iluda: todo esse caos não é de hoje.  O sistema está cheio de furos há muito tempo e deitava e rolava aproveitando o deslumbramento dos brasileiros com seus brinquedinhos que viraram febre de consumo, enquanto a Anatel fazia que não via o que hoje já não pode esconder.  
Promoções "irresistíveis" são constantes entre as operadoras de celulares
Neste momento, as operadoras estão nuas, as vísceras à mostra. Arrebentaram as veias cândidas da população cansada de pagar mais da conta por um verdadeiro faz de conta. Não dá mais para esconder que compramos gato por lebre. Agora é oficial: o serviço está bichado.
Bem que a Anatel tentou dar cobertura à falta de cobertura dos aparelhos, bem que ela empurrou o caos com a barriga até quando deu. Porque boa parte do pessoal dessa agência reguladora foi recrutada nas teles, sob encomenda. Ou você não sabia?
Aí, justiça seja feita: a senhora presidenta deu uma senhora dura nos cabeças da Anatel, que desfrutam de um mandato de 4 anos e, portanto, não estão nem aí para os truques que operavam sobre o existencial do cidadão, oferecendo um tal tipo de compensação que revestiu o aparelhinho multiuso em uma espécie de símbolo fálico numa sociedade de consumo imatura e facilmente susceptível aos encantos dos cantos da sereia.
O caos é muito mais grave do que aflorou nesses dois últimos dias. E não é só por causa das sombras que inviabilizam comunicações. O “X” da questão é a roubalheira de que são vítimas os consumidores sem ter como se queixar diante da inoperância do atendimento à distância.
Roubalheira, sim. Formação de quadrilha.  Pacto para enganar os incautos. A prática é própria dos picaretas inescrupulosos: fazem contratos por telefone ou na própria loja, o cliente não tem por hábito ler, mas se tiver não faz diferença.
Quando não vale o escrito
Não vale porque o colchão de sustentação da impunidade é regado a muita propina e gentilezas. Gentilezas que começaram quando o celular era privilégio de uns poucos. Naqueles idos, tão logo meteram a mão nas redes encontradas, que sofreram muito pouco de modernização, trataram de presentear jornalistas e autoridades da área com aparelhos e outras guloseimas.
Sem ter como continuar contemporizando, a Anatel puniu algumas operadores em alguns estados, mas já puniu tarde e ainda livrou outras. Não se fala da Nextel, mas se você ligar hoje para o 1050 para fazer qualquer reclamação vai ficar a ver navios.
O atendente alegará que o sistema está em manutenção até o dia 23.  Duvida, liga agora, mesmo.  Quer dizer, a Nextel é, ela sim,  a campeã de sinal “cego”, mas ninguém fala nada. Por quê? Essa de ter rádio criou um atrativo ainda mais envolvente e cerceador. Tanto que não está sujeita à portabilidade do seu número.
1052,  disque para o estresse
A Claro vem espezinhando seus assinantes desde priscas eras.  Digo como vítima. Cometi a imprudência de migrar para ela, num combo da Net, com um plano familiar, agora em março.  Todo mês vem uma conta exorbitante.  Tento ligar para o 1052. Invariavelmente a ligação cai quando entra uma gravação.
Vou na loja do Barra Shopping, que é própria – não é franquia. Pego uma senha, espero quase uma hora e a atendente diz que isso só pode ser tratado pelo maldito call center, esse monstrengo que nos leva ao estresse como se esta fosse sua tarefa.
Para não entrar no SPC, acabo pagando a conta onerada com um monte de enxertos.
Pior: as linhas com internet não recebem sinal, ou recebem de quando e vez. Mas a rubrica é cara especialmente quando se contrata mais megas, tentando garantir seu serviço no plano da normalidade.
Pergunta como funciona a banda larga 3G de 2 gigas? Aqui, à beira da lagoa  de Jacarepaguá, seu sinal aparece uma vez na vida e outra na morte. E em um monte de outros lugares.
Se tentar falar de novo com o 1052, vou acabar tendo um enfarte. Porque não tenho nervos de aço. Nem eu, nem a maioria dos mortais que não podem passar sem esse aparelho à mão.
E não é pra menos. De tal dependência estamos dessa peça que virou moda contratar mais de um. Se essa linha falha aqui, recorre à outra operadora. É mole? Ou quer mais. Mas os fabricantes já estão tirando proveito: a novidade do mercado é aparelho com dois chips.
Não dá nem para relaxar e gozar
Saindo do pessoal para o geral, não se iluda: se há um ano a Anatel tivesse dado uma prensa, talvez ainda desse para reverter. Agora é tarde. A distância entre a habilitação e o suporte é quilométrica.  Ficou difícil. São 250 milhões de linhas habilitadas para uma população urbana de 161 milhões de habitantes.
Em Brasília havia em abril passado 5 milhões 920 mil  linhas  habilitadas, o que dava uma média de 2,21 linhas por habitante.  Em compensação, lá se pratica o sinal seletivo, que isola principalmente a periferia.
Em todo o país, as operadoras só tinham olhos para o mercado. Era mole. Davam o aparelho quase de graça, mas também pudera. As contas exorbitantes cobriam. Até mesmo no pré-pago, que parece mais em conta, é pura ilusão. O custo do minuto é uma baba.
E não há mina tão generosa. Para levar sinal ao usuário, só gasta com as antenas. Não tem aquela fiação distribuída em pares pelos dutos.  No entanto, cobra  mais do que no fixo.
Só que não tiveram estratégia na instalação das suas torres. Quando os aparelhos se concentram numa área, como num jogo de futebol, ninguém consegue sinal.  A cobertura é insuficiente também porque, de olho no lucro fácil, as 53 mil velhas antenas não são trocadas pelas mais modernas, com melhores condições de alcance.
Isso custa dinheiro e para essas concessionárias o dinheiro só tem uma mão, a da entrada. Dizer que já investiram bilhões em suporte é lorota. Quero ver as provas. Por que o Ministério Público não pega essa briga? Por  que não fazem uma CPI que inventarie o logro do sistema, agora desnudado, despido dos pés à cabeça?
A desculpa é que não conseguem instalar antenas. Será? E no call center não vai nada? O volume recorde de reclamações mostra que não é assim que a banda toca: a maioria das queixas (54,98%) é por cobrança abusiva. Problemas com contratos são responsáveis por 11,28% das demandas, e deficiência na prestação de serviços são 26,79% das reclamações.
Tudo porque falta seriedade no país
O que vai acontecer agora? Nada. A menos que a presidenta mande uma força-tarefa monitorar a Anatel. Do contrário, a suspensão das vendas não passará de um jogo de cena. E já nos próximos dias os lobistas falarão mais alto com suas infalíveis argumentações.
Uma a uma, as empresas apresentarão planos  de investimentos e voltarão a enganar os incautos. A Anatel, que fechou os olhos desde que foi criada com as privatizações, em 1997, terá feito o seu marketing com sucesso de bilheteria e os assinantes continuarão amargando o conto do call center.
Sabe o que está faltando? Seriedade. Seriedade não é bem o forte dos donos desse mercado de miragens e masoquismo. Aliás, seriedade é artigo em falta no estoque deste país dominado pelos espertos e sem caráter. 

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